Espanha já travou a transferência de água do rio Douro para Portugal

O executivo governamental de Espanha admite dificuldades no cumprimento integral da Convenção de Albufeira, que rege as relações entre os países ibéricos nos rios que partilham.

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Comunidades regantes ameaçaram com “mobilizações imediatas” das populações caso o envio de água para Portugal não fosse interrompido tiago lopes

O alarme causado pela descarga drástica de reservas em toda a bacia do Douro surtiu efeito e a entidade espanhola Confederação Hidrográfica do Douro (CHD) anunciou que nesta segunda-feira foi dada uma ordem do Ministério da Transição Ecológica para “interromper a transferência” das águas para Portugal, que estava a decorrer para cumprir os termos da Convenção de Albufeira.

A medida “ameniza o desconforto e a preocupação criados”, tanto das comunidades regantes como dos municípios ribeirinhos que ameaçavam com “mobilizações imediatas” das populações caso o envio de água para Portugal não fosse interrompido.

Os autarcas das comunidades que se manifestaram contra a transferência de água assinaram uma carta onde declaram um “protesto enérgico, profunda rejeição e total desacordo com a política de gestão destrutiva que a Confederação Hidrográfica do Douro vem realizando com os reservatórios da nossa província e especialmente com Ricobayo”.

O jornal El Periódico de España anunciou nesta terça-feira que a Confederação Hidrográfica do Douro “parou na segunda-feira a transferência de água para Portugal”. Este órgão de comunicação social da comunidade autónoma de Castela e Leão salienta que a ordem para que fosse “interrompida a transferência”, que estava a ser realizada para dar cumprimento à Convenção de Albufeira, foi dada pelo Ministério da Transição Ecológica e do Desafio Demográfico (Miteco).

Os dados divulgados no Boletim Hidrológico semanal do Miteco já indicavam no passado dia 23 de Setembro que a descarga das barragens que procediam à transferência de água não era maior do que o normal. O jornal de Zamora concluía: “Se Espanha se está a apressar em cumprir o que foi acordado na Convenção de Albufeira, a água não está a sair dos reservatórios” das barragens de Almendra e Ricobayo.

Surtiu efeito a concentração de 3 mil agricultores no centro da cidade de Leão que se opunham à transferência para Portugal de 400 hectómetros cúbicos. Os manifestantes ameaçaram “tentar fechar as comportas” da barragem de Almendra, entre Zamora e Salamanca se o Governo não parasse com a transferência de água para Portugal. Porém, o Governo central nega, garantindo que “em nenhum momento foi por causa dessas ameaças” que tomou a decisão de parar o débito de caudais para Portugal. O PÚBLICO solicitou esclarecimentos ao Ministério do Ambiente e da Acção Climática, mas até ao momento não recebeu qualquer resposta.

Esta interrupção na transferência de água para Portugal contraria a posição anteriormente assumida pelo Miteco, que antes tinha assegurado que qualquer decisão de redução do caudal não é tomada “de forma discricionária ou de acordo com considerações caprichosas”, mas tem em conta o cumprimento do regime de caudal estipulado na Convenção de Albufeira. Agora, o Governo espanhol admitiu ao El Periódico de España que nalgumas bacias hidrográficas será “complicado cumprir integralmente o Acordo de Albufeira”.

Novo plano para o Tejo e uma velha guerra

A disputa pelo acesso à água nos rios internacionais (Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana) pode aumentar de intensidade após a decisão tomada pelo Miteco, que deu luz verde ao novo Plano Hidrológico da Bacia do Tejo. O documento defende a aprovação de uma redução superior a 40% da média anual para as regiões espanholas de Almería, Múrcia e Alicante. Fica a dúvida sobre se os caudais que Espanha está obrigada a enviar para o troço do rio Tejo em Portugal também podem vir a sofrer uma redução com a aplicação do novo Plano Hidrológico espanhol.

O diário espanhol El Mundo avança na sua edição de terça-feira que o “Governo de Pedro Sánchez pretende aprontar o plano para final de Outubro ou início de Dezembro”. A decisão é justificada pela necessidade de melhorar “os fluxos ecológicos do Tejo” no centro de Espanha, país que está a atravessar uma das piores secas da sua história.

Até à aprovação do novo plano, o Governo de Pedro Sánchez assegurou que “serão postas em prática todas as medidas necessárias para garantir o acesso à água das duas bacias (do Tejo e do rio Segura) a preços competitivos”, frisando que estão a ser reforçados os “trabalhos para o aumento de capacidade de três centrais de dessalinização” para suportar a água não transferida.

As albufeiras da Bacia Hidrográfica do Segura (CHS) encontram -se a 34,3% da sua capacidade máxima. Isso significa um armazenamento de 392 hectómetros cúbicos dos 1140 hectómetros que as albufeiras instaladas nesta bacia podem reservar, como referem os dados registados pela Comissão de Águas dependente do CHS.

O El Mundo admite uma eventual “guerra da água”, que pode surgir neste Outono porque o Ministério da Transição Ecológica “dá luz verde” ao novo Plano Hidrológico da Bacia do Tejo, que propõe cortar no caudal actualmente enviado da bacia do Tejo para a bacia de Segura “105 hectómetros cúbicos por ano, a partir de 2027”, o que significa “mais 40% da média que se transfere anualmente para Almería, Múrcia e Alicante”.

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