Faltou o banho de multidão no cortejo fúnebre de José Eduardo dos Santos

A pompa e a circunstância na transladação dos restos mortais do ex-Presidente angolano estavam lá, mas houve pouco povo e só os filhos de Ana Paula dos Santos compareceram. “Perderam a última e melhor oportunidade”, disse o general Furtado sobre a ausência dos filhos mais velhos.

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Cortejo fúnebre do ex-Presidente António Rodrigues
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José Eduardo dos Santos será enterrado domingo António Rodrigues
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Não houve banho de multidão mas houve gente a chorar e gente cansada António Rodrigues
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A cerimónia teve muita pompa António Rodrigues

As polainas brancas das duas centenas de militares e dos quatro polícias mostravam a ocasião especial para o aparato policial e militar no bairro do Miramar, em Luanda, junto àquela que era a residência de José Eduardo dos Santos depois de deixar o poder. Os restos mortais do ex-Presidente de Angola estavam para ser levados em cortejo fúnebre até ao Memorial Agostinho Neto, onde o seu corpo será depositado num jazigo no domingo, em funeral de Estado com a presença de oito presidentes, incluindo o português, Marcelo Rebelo de Sousa.

Mas se a ocasião era solene, à despedida faltou o banho de multidão a que ex-chefe de Estado se habituou nos seus 38 anos de poder. Os poucos populares que passaram por ali, olharam com indiferença a presença de tanto militar e batedor da polícia e nem abrandaram o passo para olhar duas vezes.

O cortejo, que começou com atraso em relação ao programa oficial, desceu do Miramar em direcção à baía, seguindo depois pela avenida marginal e da Fortaleza até à Praça da República, não foi acompanhado pelos populares até chegar à zona da Chicala, onde mulheres e jovens seguiram os veículos funerários cantando e gritando: “Pai, pai, pai, querido pai”.

Antes disso, tirando grupos de gente filmando a passagem do cortejo em pontos do percurso, guardas, polícias e algum que outro popular em sentido ou com ar consternado, além de duas ou três mulheres com lágrimas e de mais um par que, apanhada no jogging matinal, parou para registar em vídeo o momento, a passagem do caixão e da sua escolta de Estado agitou pouco este sábado de manhã cinzento em Luanda.

E se a maioria observava a passagem do cortejo reservando-se ao silêncio, ainda se ouviram expressões de “você merece, nosso pai”, enquanto as poucas pessoas que choravam logo chamavam a atenção de repórteres das televisões angolanas.

Mas também houve quem ousasse frases mais ríspidas, como aquele jovem que repetiu “passaste fome, Angola” ou aqueloutro que exclamou: “Vão levar uma chapada depois de acabar!” E não falava no sentido de agressão física, mas de impacto na vida das pessoas quando tudo isto passar, funeral de Estado e eleições, e os holofotes se apagarem e o quotidiano difícil chegar outra vez.

Onde havia sim, gente, entre altas figuras do Estado e das Forças Armadas, familiares e convidados, era mesmo na Praça da República, junto ao Memorial Agostinho Neto, local onde os restos mortais de José Eduardo dos Santos ficarão em câmara ardente até ao funeral, no domingo, em que estarão presentes representantes de 18 Estados, da ONU e da República Árabe Sarauí Democrática.

A maior delegação é a de São Tomé e Príncipe, com o Presidente, Carlos Vila Nova, o primeiro-ministro, Jorge Bom jesus, e o antigo chefe de Estado Manuel Pinto da Costa.

Quem se notou pela ausência foram os filhos mais velhos de José Eduardo dos Santos, que se debateram em litígio judicial em Espanha com a ex-primeira-dama, os seus filhos e o Estado angolano para evitar que o corpo fosse entregue a Ana Paula dos Santos e trazido para Luanda.

Nem José Filomeno ‘Zenu’ dos Santos compareceu, apesar de ter estado presente na casa do bairro Miramar, quando os restos mortais do seu pai chegaram de Espanha no sábado passado. O longo abraço entre ele e a última madrasta parecia indiciar alguma aproximação entre as partes desavindas da família, mas a sua ausência na câmara ardente mostra que assim não é.

“Perderam a última e melhor oportunidade que tiveram para render homenagem ao seu pai”, disse aos jornalistas o general Francisco Furtado, ministro de Estado e chefe da Casa de Segurança do Presidente, a quem João Lourenço incumbiu a tarefa de ir a Barcelona, onde José Eduardo dos Santos morreu a 8 de Julho, buscar o corpo para receber honras de funeral de Estado em Luanda.

“A oportunidade lhes foi dada quando, pessoalmente, conversámos com eles, no dia 9 de Julho. Não houve consenso com elas e com o outro filho”, explicou o general. “A Justiça conduziu o processo e ganhou a razão, ganhou a família e o Estado cumpriu o seu dever.”

A foto emoldurada de José Eduardo dos Santos, que um militar levava pendurado no vidro da frente do jipe militar cerimonial que abria o cortejo e depois transportou à frente do caixão para o colocar na tenda, era uma das antigas de quando era chefe de Estado. Havia cópias delas espalhadas pelos edifícios públicos de todo o país.

A que preside ao funeral de Estado não é uma cópia nova, é mesmo um retrato antigo que alguém, cumprindo o seu dever com diligência, colou uma tira branca sobre o Presidente da República de Angola.

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