A Ordem dos Médicos como o garante da saúde dos portugueses

Este lamentável episódio [do parecer da PGR sobre a competência da Ordem para impor equipas mínimas nas urgências] serve unicamente para dar um instrumento à tutela, juridicamente validado, que lhe permite branquear a forma terceiro-mundista como tem sido gerida a Saúde, nomeadamente na área da urgência hospitalar.

A propósito da notícia vinda a público, referente ao parecer da PGR, a pedido da ministra da Saúde, sobre a competência da Ordem dos Médicos em estabelecer as regras que determinam a composição de equipas médicas, neste caso no âmbito da urgência hospitalar, o que mais surpreende (ou talvez não) nesta atitude é, no fundo, em primeira instância, a tentativa de legitimar tomadas de decisão políticas, ao arrepio de qualquer critério médico, com o único intuito de camuflar a incapacidade de resolução de problemas concretos, como seja, o problema crónico das urgências hospitalares. Ou seja, daqui não resulta nenhum benefício para as populações, bem pelo contrário.

Por outro lado, procura desacreditar a Ordem dos Médicos, com o intuito, mais ou menos claro, de a enfraquecer. Tal facto é, contudo, muito grave a vários níveis.

Em primeiro lugar porque desautoriza o órgão onde está concentrada toda a competência para emitir recomendações, baseadas em critérios universalmente aceites, com o objectivo principal de garantir boas práticas médicas, criando, assim um clima de desconfiança na população; em segundo lugar, abre um precedente muito perigoso de potencial interferência clara por parte do poder político e em particular dos órgão de gestão, de nomeação política e, geralmente, liderados por tecnocratas não médicos, num assunto que, ao contrário do que se quer dar a entender, tem um componente técnico muito significativo, para o qual existem regras definidas, baseadas em parâmetros clínicos.

É muito importante que a população perceba que para a realização de qualquer ato médico existem regras bem estabelecidas e a existência duma Ordem dos Médicos é exatamente para garantir que essas regras são aplicadas, de forma a garantir que as melhores práticas médicas são aplicadas e não deixar ao livre arbítrio de qualquer político ou gestor decidir qual deve ser, por exemplo, a composição duma equipa médica.

Esta atitude vem, pois, consubstanciar, mais uma vez, a confusão existente sobre o que é uma medida administrativa pura e o que são critérios médicos. Mas talvez ainda mais perigoso é a utilização da “justiça” para manipular a ciência, ou seja, fazer Medicina por decreto. Lamento informar que a ciência não se compadece com pareceres jurídicos, por mais respeitáveis que sejam os seus autores. O que aconteceu hoje em Portugal abre a porta à instrumentalização política, camuflada com jargão jurídico, de algo que deveria estar totalmente arredio do jogo político, ou seja, a saúde das populações.

De facto, este lamentável episódio serve unicamente para dar um instrumento à tutela da Saúde, juridicamente validado, que lhe permite branquear a forma terceiro-mundista como tem sido gerida a Saúde, nomeadamente na área da urgência hospitalar.

É também óbvio para todos os que andam atentos, o receio do poder político duma Ordem forte, que na mente de políticos fracos, representa uma ameaça, pois expõem de forma clara e consubstanciada a sua incompetência ou incapacidade de tomar as medidas certas para garantir um sistema de saúde robusto, adequado às exigências duma prática médica do século XXI. É pois, cada vez mais importante reforçar o papel da Ordem dos Médicos como o garante real e competente para a implementação dum sistema que responda aos desafios na Saúde e na doença das populações. Não é seguramente através de medidas administrativas sem qualquer base científica que se garante o funcionamento dum sistema de saúde.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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