Artistas iraquianos abandonam Bienal de Berlim em protesto contra obra explícita sobre Abu Ghraib

Também a curadora portuguesa Ana Teixeira Pinto se afastou da equipa do evento devido à inclusão do polémico trabalho do francês Jean-Jacques Lebel.

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Soluble Poison. Scenes from the American occupation (Baghdad), a polémica obra de Jean-Jacques Lebel DR

Os artistas iraquianos Sajjad Abbas, Layth Kareem e Raed Mutar, bem como a curadora e crítica portuguesa Ana Teixeira Pinto, retiraram-se da Bienal de Arte de Berlim devido à inclusão de uma instalação do artista francês Jean-Jacques Lebel com imagens da tortura na prisão de Abu Ghraib.

A polémica estalou há cerca de duas semanas, quando a curadora Rijin Sahakian questionou o facto de as obras dos artistas que comissariou terem sido instaladas junto a Soluble Poison. Scenes from the American occupation (Baghdad). Publicada no site especializado Art Forum, a carta aberta de Sahakian criticava a selecção do trabalho de Lebel (datado de 2013 e já exposto no Palais de Tokyo, em Paris, por exemplo) numa bienal cujo tema é a “reparação” como “forma de acção” no âmbito de um discurso e de uma prática decoloniais.

“A bienal tomou a decisão de tratar como mercadorias as fotos de corpos iraquianos ilegalmente detidos e brutalizados no contexto de uma ocupação, exibindo-os sem o consentimento das vítimas e sem qualquer contributo dos artistas iraquianos participantes na bienal, cujo trabalho foi colocado ao lado [do de Lebel] sem o seu consentimento”, protestou a curadora.

Duas semanas depois, na passada segunda-feira, a equipa curatorial do evento, liberada pelo artista franco-argelino Kader Attia, respondia num longo comunicado em que pedia “atenção” aos queixosos, de modo a poderem perceber “o sentido” das respostas da bienal “às questões cruciais da exibição de feridas e da reparação”, de modo a evitar equívocos quanto às “intenções curatoriais” e às “aspirações da exposição". E pedia desculpas formais aos artistas iraquianos pela dor causada pela justaposição das obras e pela lentidão da organização a reposicioná-las. Algumas obras foram colocadas noutro edifício, outra numa outra sala do museu Hamburger Bahnhof.

Perante esta resposta, noticiam as publicações especializadas Hyperallergic e Art Newspaper, os três artistas e a sua curadora vão mesmo retirar-se da bienal. E a Hyperallergic indica ainda que a curadora Ana Teixeira Pinto já se tinha afastado da equipa curatorial logo que a bienal abriu, a 11 de Junho (o evento prolonga-se até 18 de Setembro), devido a “divergências” relacionadas com a apresentação do trabalho de Lebel, como confirmou um porta-voz do evento.

Soluble Poison. Scenes from the American occupation (Baghdad) é uma instalação com um percurso unidireccional, como um labirinto, cujas paredes estão cobertas com fotografias da tortura física e sexual a que foram submetidos os prisioneiros iraquianos pelas forças norte-americanas quando da invasão do Iraque pelos Estados Unidos, no centro de detenção de Abu Ghraib.

Após semanas de protesto, os artistas iraquianos representados no evento criticam a “instrumentalização” do seu “trabalho” e das suas “identidades como iraquianos” por parte da bienal.

O tema desta edição do evento é Still Present! e o trabalho de Sajjad Abbas, Layth Kareem e Raed Mutar prende-se com as mutações da identidade iraquiana após a invasão e a ocupação norte-americana. A curadora iraquiana diz que inicialmente houve muito debate sobre a obra de Lebel, mas que no final a equipa iraquiana se viu confrontada com a obra em causa quando chegou ao evento.

No dia 16, as tensões já extremadas, Sahakian dizia ainda à ArtForum: “Numa exposição que dá prioridade a exibir iraquianos ilegalmente presos e fotografados enquanto são submetidos a torturas físicas e sexuais, não, não encontramos sinceridade nem honestidade na resposta paternalista [da organização da bienal]… Retiramo-nos da Bienal de Berlim e agradecemos às quase 400 pessoas que assinaram [a carta aberta] em solidariedade.”

A decisão de saída dos artistas iraquianos foi confirmada ao Art Newspaper por um porta-voz da bienal.

Artigo corrigido rectificando a nacionalidade da curadora Ana Teixeira Pinto

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