Incêndio da Serra da Estrela é dos maiores de sempre em áreas protegidas

Segundo dados do Sistema Europeu de Informação de Fogos Florestais desta sexta-feira já há mais de 16 mil hectares afectados por este fogo, que esta manhã está a ser combatido por mais de 1600 operacionais apoiados por oito meios aéreos. Mais de 95% da área destruída está dentro do Parque Natural da Serra da Estrela.

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Incêndio da Serra da Estrela deflagrou na madrugada de sábado passado LUSA/MIGUEL PEREIRA DA SILVA

O incêndio que destrói há seis dias a Serra da Estrela é dos maiores fogos registados no país em áreas protegidas. É essa a convicção de ambientalistas ouvidos pelo PÚBLICO, uma realidade que as estatísticas sobre a área ardida na Rede Nacional de Áreas Protegidas (RNAP) parece apoiar. O fogo atingiu alguns tesouros da serra e manchas florestais que escapavam há muitas décadas à fúria das chamas.

O Sistema Europeu de Informação de Fogos Florestais (conhecido pela sigla inglesa EFFIS), que, através do recurso a imagens de vários satélites, permite detectar fogos com áreas ardidas superiores a um hectare, contabilizava na manhã desta sexta-feira 16.310 hectares afectados pelo incêndio da Serra da Estrela, que deflagrou na madrugada do passado sábado.

Pelas 9h desta sexta-feira o fogo estava a ser combatido por mais de 1600 operacionais, apoiados por oito meios aéreos e mais de 500 veículos, informava a página da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, que classificava nessa altura esta como a única “ocorrência importante”. Às 10h estava a decorrer a habitual reunião, por videoconferência, entre a secretária de Estado da Protecção Civil, Patrícia Gaspar, e os autarcas da região, para fazer o ponto de situação do incêndio. A ANEPC remetia, nessa altura, todas as informações sobre a evolução do fogo para uma conferência de imprensa que se deve realizar perto da hora do almoço.

O vice-presidente da associação ambientalista Guardiões da Serra da Estrela, Manuel Franco, explicava esta quinta-feira ao PÚBLICO que nos 14 mil hectares contabilizados pelo EFFIS no final do dia mais de 95% são dentro do Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE), constituído em 1976 e que conta actualmente com uma área de 89 mil hectares. “Mais de 13.500 hectares da área afectada estão dentro do parque, que já deve ter sido atingido em 15% da sua área”, afirma o ambientalista.

Para se perceber a dimensão dos estragos, Manuel Franco realça que junto ao Miradouro de São Lourenço, perto de Manteigas, existe uma micro-floresta de carvalhos com mais de 500 anos. “Infelizmente esta zona também foi afectada”, afirma o dirigente da Guardiões da Serra da Estrela. Mesmo assim, o ambientalista mantém o optimismo e não acredita que este incêndio dite o fim destas árvores. “São muito velhas. Já viram muito fogo”, reage logo de seguida.

A zona conhecida como o Souto do concelho, em Manteigas, foi outra das áreas atingidas, lamenta José Conde, biólogo do Centro de Interpretação da Serra da Estrela (CISE), sublinhando a importância ambiental deste bosque de castanheiros. O especialista sublinha que vai ser preciso tempo para avaliar o verdadeiro impacto do incêndio na biodiversidade existente na Serra da Estrela, mas não tem dúvidas de que a perda será grande. “O fogo começou numa encosta da Covilhã e cruzou a serra de um lado ao outro”, destaca o biólogo.

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É provável que o incêndio tenha afectado a população de víboras-cornudas, que são endémicas da Península Ibérica (e também do Noroeste de África) CENTRO DE INTERPRETAÇÃO DA SERRA DA ESTRELA
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O insecto Iberodorcadion brannani é uma espécie endémica do maciço central da serra da Estrela — e vive em áreas pelas quais o fogo já passou ou está a passar CENTRO DE INTERPRETAÇÃO DA SERRA DA ESTRELA

O dirigente da Quercus Domingos Patacho lamentou, em declarações à Lusa, a destruição de muitas espécies de árvores autóctones, que poderão demorar décadas a repovoar o PNSE. O ambientalista acredita, contudo, que os bosques de teixo, raros em Portugal, tenham sido poupados, uma convicção que não partilhada por José Conde.

Não é a primeira vez que o parque com maior altitude do país arde consideravelmente. Em 2017, segundo dados do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), só no PNSE arderam 19.300 hectares, quase 22% da área do parque. No entanto, foram vários os incêndios que assolaram esta área protegida, a segunda maior em Portugal - a primeira é o Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina - com destaque para os que ocorreram em Outubro desse ano.

População lamenta a “jóia” que se perdeu na Serra da Estrela. Leia a reportagem na Serra da Estrela Tiago Lopes

O último relatório do ICNF dedicado aos incêndios florestais desse ano dá conta que arderam em 2017 mais de 39 mil hectares nas mais de 50 áreas protegidas do país, o que representava 5,5% dos 712 mil hectares de extensão desta rede. Antes disso, destaque para anos como 2003 (mais de 28 mil hectares ardido na Rede Nacional de Áreas Protegidas) e 2005 (mais de 20 mil hectares destruídos).

ICNF não revela dados

Mas não se pense que é fácil saber com detalhe a dimensão dos incêndios que assolam as áreas protegidas, que tem o ICNF como responsável pelas estratégias de prevenção, sensibilização, vigilância, detecção e primeira intervenção. É que o instituto que também tem a seu cargo a cartografia e contabilidade da área ardida, divulga de forma intermitente estes dados.

Contactado pelo PÚBLICO, o ICNF recusou-se a disponibilizar dados sobre os incêndios deste ano nas áreas protegidas, remetendo a informação para o fim da fase mais crítica dos fogos. Mas o PÚBLICO também não conseguiu encontrar essa contabilidade relativamente ao ano passado. E na última década, os dados aparecem apenas em alguns relatórios sobre o Estado do Ambiente, muitas vezes reduzidos a um gráfico sem números exactos.

Os dados mais recentes que o PÚBLICO encontrou num dos relatórios feitos pela Agência Portuguesa do Ambiente são relativos a 2020, ano em que se estimavam terem ardido na RNAP perto de 4.400 hectares, 1545 dos quais no Parque Natural da Serra de Aire e Candeeiros. Sobre 2019 não encontramos valores e em 2018 a informação disponível limita-se a um gráfico com a área ardida em quatro parques, com um destaque que indica que o mais afectado foi o de Sintra-Cascais, onde arderam 430 hectares.

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