Estender o controlo inteligente da temperatura ao controlo da qualidade do ar interior

Os fenómenos de afetação da qualidade do ar exterior em Portugal por surtos de poeiras do deserto do Sara têm tendência a ser cada vez mais recorrentes, por via das alterações climáticas.

Foto
Lisboa, a 15 de Março deste ano Rui Gaudencio

Numa cidade moderna, os seus ocupantes passam mais de 90% do seu tempo dentro de edifícios, pelo que é primordial poder dispor de sensores de medida da qualidade do ar interior, capazes de medir os principais parâmetros caracterizadores dessa mesma qualidade, no sentido de poder garantir que os cidadãos têm conforto térmico e ambiental adequado nos espaços que ocupam.

Naturalmente que a monitorização é apenas a primeira tarefa à qual se associam outras subsequentes, como a aquisição dos dados medidos por um sistema interativo, capaz de os poder comparar com valores-limite admissíveis, e gerar instruções que permitam regular e controlar a situação através de medidas simples. Por exemplo, a admissão de mais ar fresco proveniente do exterior e/ou exaustão de mais ar do interior para o exterior (aumento das renovações de ar), regulação da temperatura do ar e humidificação/desumidificação do ar interior (condicionamento de ar).

Medidas como estas permitem que os ocupantes dos espaços interiores não estejam nunca em espaços fora dos limites de concentração admissíveis para os poluentes existentes no ar interior, nem fora dos limites sazonais de conforto térmico dados por intervalos de temperatura e humidade do ar, igualmente bem especificados. Sabemos que estas últimas práticas são frequentes ao nível da regulação do conforto térmico, mas é fundamental estendê-las às concentrações admissíveis de poluentes, para garantir, também, a boa qualidade do ar interior e, assim, a boa manutenção da saúde dos seus ocupantes. Um sistema desta natureza, que deverá constar forçosamente dos elementos de gestão dos edifícios de uma smart city, necessita obrigatoriamente de um conjunto de sensores que permitam fazer uma monitorização fiável, e em tempo real, das concentrações dos poluentes típicos, tais como CO, CO2, partículas e COV (Compostos Orgânicos Voláteis).

Note-se que, só dispondo de sensores em tempo real, que permitam fazer leituras instantâneas, é que é possível fazer regulação da qualidade do ar interior, igualmente em tempo real, ou seja, fazer face a todas e quaisquer variações anómalas que possam ocorrer e, como resultado, obter sempre uma boa qualidade do ar.

Uma vez que os sensores eletrónicos existem, atualmente, não resta mais do que integrá-los num sistema adequado que possa ser incorporado como um componente adicional para os sistemas de ar condicionado, que passará assim a ter, além da componente do conforto térmico que é já corrente, a componente da qualidade do ar interior. Este sistema deverá ainda fornecer informação, em painel, colocado em local visível para os ocupantes dos edifícios, por forma a estes poderem confirmar a evolução da situação em termos da qualidade do ar.

Além disso, como as smart cities dispõem, geralmente, de sensores de qualidade do ar exterior, e esta última vai influenciar também a qualidade do ar interior, poderá ainda proceder-se à comunicação entre estes diversos sensores para garantir que as medidas a tomar de insuflação/extracção de ar exterior virão a resultar eficientemente na melhoria da concentração de poluentes interiores por efeito de diluição.

Esta questão foi recentemente ilustrada pela ocorrência de fenómenos recentes de afetação da qualidade do ar exterior em Portugal, por surtos de poeiras transportadas desde o deserto do Sara, fenómeno que tem tendência a ser cada vez mais recorrente, por via das alterações climáticas.

O surto que ocorreu entre 15 e 17 de Março de 2022 veio afetar grande parte da Península Ibérica, tendo sido registado um aumento generalizado dos valores do teor de poeiras atmosféricas (expressas como PM2.5: partículas pequenas até 2,5 micrómetros e PM10: partículas inaláveis até 10 micrómetros) nas estações de medida da rede nacional de qualidade do ar ambiente, a par de uma diminuição da visibilidade e do aparecimento de um céu “alaranjado” em diversas zonas do país. Este aumento da concentração de poeiras resultou em que, em muitas destas estações, fossem excedidos os valores limite de 20 µg [microgramas]/m3 e de 50 µg/m3, respetivamente para PM2.5 e PM10, impostos pela legislação nacional, durante esse período.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

Sugerir correcção
Comentar