O reencontro

“Achas que realmente precisas de fazer terapia?” Não tenho dúvidas. Preciso de cada hesitação minha que me faz depois encontrar as palavras que, afinal, estavam cá dentro e formam inesperadamente uma resposta.

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"Há muitos anos, quando comecei a fazer terapia e encontrei, com muita sorte, a pessoa certa" Maria Inês

Nos últimos dias, fui parar à natação e à terapia. Sem ter pensado demasiado nisso, são duas formas de me manter à tona. Flutuar é um passo certeiro para não perdermos a capacidade de sonhar. Precisamos de insistir.

Há muitos anos, quando comecei a fazer terapia e encontrei, com muita sorte, a pessoa certa, foi como se tivesse feito uma grande amiga, sendo certo que não há amizade alguma entre mim e aquela mulher paciente e generosa que me ouve. Ela é estanque nas emoções e cautelosa nas perguntas. E eu aprecio essa forma de medir o tempo para lançar questões. Não são sequer pontos de interrogação. É qualquer coisa que se desenha no ar e depois se torna corpóreo. Está ali à minha frente. Acabou de se fazer palavra, mas também medo, regozijo, espanto, surpresa.

Neste reencontro, oito anos depois, voltei a agarrar-me a palavras certeiras como quem descobre que pode, afinal, flutuar. E agora, como antes, saio dali sem me preocupar com o caminho a seguir, mas com vontade de acompanhar os meus passos com aquilo que ouvi durante uma hora. Numa hora não cabem mil palavras, mas cabem as respostas que nem sabíamos ser capazes de dar.

Há muitos anos, lembro-me de estar a fazer uma emissão de rádio em directo e de um homem de voz grave (e presa pela tensão) ter ligado para o estúdio para me agradecer o facto de o ter levado a fazer terapia. É melhor esclarecer: eu não levei ninguém. Apenas posso falar publicamente da minha necessidade de o fazer e de insistir em que muitos de nós podiam pedir ajuda, especialmente se confiarmos na pessoa que temos à nossa frente.

Numa emissão de rádio, num dia qualquer, o homem sem rosto, só voz, falava a medo, e eu, que não estava ali para fazer perguntas mas para cruzar canções, disse-lhe o óbvio: que ficava contente se ele estava mais satisfeito com esse passo. Ele dizia-me na altura aquilo que, curiosamente, nesta semana, uma outra pessoa me voltou a dizer: que resistiu muitos anos até decidir que podia ser bom, que lhe podia fazer bem, que não era afinal um bicho-de-sete-cabeças procurar ajuda. Como pode ser? Nós não precisamos de conversar? E de amigos com respostas que até nem sempre são acertadas? Nós não vemos em filmes (e outros com vida mais parecida à nossa) gente que se senta em frente a um estranho no bar, lhe conta a vida e sai dali aliviada por ter verbalizado a angústia e os receios que trazia a par da sede? Nós não existimos sem comunicar. Sem respostas, o silêncio que não se escolheu devora-nos.

Ninguém me pergunta por que razão vou parar à natação. Vou para aprender a nadar. Sobretudo, vou para vencer o pânico que acumulei fora de pé, sem controlo, escapando-me ao que não toco ou sinto.

Por que razão então alguém nos pode perguntar se temos mesmo de ir para a terapia, se precisamos? O que é isso de precisar? Vamos para não termos receio de ficar fora de pé. Vamos, nos dois casos, para ficarmos bem à tona.

Precisar é uma palavra, essa sim, que deve ser bem medida. Quando perguntamos ao outro se ele realmente precisa de fazer determinada coisa, estamos a arredá-lo do seu objectivo. Estamos a lançar-lhe o desconforto que às vezes é apenas nosso. Nosso perante algo que teimamos em desconhecer e rejeitar. No fundo, somos nós que tememos precisar: da terapia, da natação, de comprar uma coisa que nos deixe feliz, de voltar a ligar a alguém que já foi nosso amigo.

“Achas que realmente precisas de fazer terapia?” Não tenho dúvidas. Preciso de cada hesitação minha que me faz depois encontrar as palavras que, afinal, estavam cá dentro e formam inesperadamente uma resposta. Preciso de apaziguar sentimentos. Preciso de desvalorizar coisas sem importância.

Flutuo.

À tona vejo tudo melhor.

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