Mensagens à mesa que criam “esquisitos com a comida”

“Só mais umas garfadas”; “Tens de comer tudo o que está no prato”… No momento das refeições familiares, estas frases são o prato do dia. Todos nós as conhecemos, foram transmitidas de geração em geração. No entanto, ainda que proferidas com boas intenções, estas mensagens refletem práticas alimentares que podem contribuir para uma alimentação exigente e apresentar risco para a saúde das crianças.

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As crianças apresentam maior probabilidade de provar algo que ajudaram a preparar, incluindo frutas e legumes Pedro Cunha

Apesar de ser comum na infância, com uma prevalência em idade pré-escolar que varia de 14% a 50%, a alimentação exigente ou “picky eating”, como é designada nos estudos científicos, está associada a diversos problemas alimentares. Os “picky eaters” ou comedores exigentes (ou os chamados “esquisitos com a comida”) demonstram consistentemente uma relutância em experimentar novos alimentos ou fortes preferências por determinados alimentos ou grupos específicos de alimentos, bem como por métodos de preparação e apresentação dos mesmos. Diversos estudos demonstram que estas crianças apresentam uma variedade limitada na dieta, particularmente de alimentos ricos em micronutrientes, como frutas e vegetais. Este tipo de comportamentos alimentares poderá levar, assim, a deficiências nutricionais a curto e longo prazo, sendo prejudicial para o crescimento da criança.

Durante a infância e no contexto das refeições familiares, os pais transmitem importantes lições que ajudam as crianças a estabelecer hábitos saudáveis que permanecem para o resto da vida. Deste modo, as práticas parentais alimentares — i.e., as estratégias que os pais utilizam para controlar o que quando e quanto as crianças comem — possuem um papel crucial no desenvolvimento dos comportamentos alimentares das mesmas e, consequentemente, na sua saúde. Neste sentido, existem algumas práticas alimentares que podem contribuir para que a criança se torne um comedor exigente. Estas práticas caracterizam-se pela coerção e pelo controlo excessivo e são muitas vezes acompanhadas por frases que nos são familiares:

Pressão para comer: “Não fica nada no prato.” Apesar das boas intenções dos cuidadores, incentivar a criança a “limpar” o prato e a comer todas as frutas e vegetais poderá ter um efeito contraproducente. Os estudos explicam que pressionar a criança a comer determinados alimentos poderá diminuir o seu prazer no consumo dos mesmos. Deste modo, uma abordagem alternativa poderá ser dar a escolher à criança entre duas opções saudáveis. Por exemplo: “Queres comer feijão-verde ou cenoura?” Além disso, tentar controlar a quantidade de comida que a criança ingere poderá levar a excessos ou lutas de poder. Muitas vezes, as crianças não sentem fome à hora das refeições, principalmente se fizeram vários lanches ao longo do dia ou ingeriram leite ou sumo entre refeições. Assim, se a criança não está com fome e é pressionada para comer, sentir-se-á obrigada a agir. Neste sentido, é necessário certificar-se de que é oferecida à criança apenas água até à próxima refeição ou lanche programado.

Comida como recompensa: “Se comeres os legumes, dou-te um chocolate.” Não é segredo que as crianças naturalmente preferem doces a vegetais. Prometer um doce à criança em troca do consumo de vegetais parece ser uma solução fácil. No entanto, utilizar alimentos açucarados como isco para que a criança coma alimentos saudáveis poderá estar apenas a acentuar ainda mais o seu gosto por doces, continuando a deixar os vegetais de lado. Uma alternativa poderá consistir na combinação de atenção positiva com a ingestão de alimentos saudáveis; quando a criança provar um pouco de um alimento saudável, os pais podem mostrar o seu orgulho através de um abraço ou de um beijo. Outra estratégia poderá ser envolver a criança na preparação dos alimentos; as crianças apresentam maior probabilidade de provar algo que ajudaram a preparar, incluindo frutas e legumes.

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Se os pais ingerirem alimentos saudáveis, a criança apresentará uma maior disposição para experimentá-los KanKhem/Getty Images

Preparar refeições especiais: “Não queres isto? Vou fazer-te outra coisa.” Se a criança sabe que pode ter uma alternativa especial, porque comeria o mesmo que o resto da família? Se os pais prepararem refeições personalizadas para a criança quando esta se recusa a comer algo, esta poderá tornar-se mais exigente e não aprender a gostar dos alimentos ingeridos pelo resto da família. Além disso, o tempo despendido pelos pais a preparar refeições diferentes poderá consistir numa fonte de stress. É, assim, importante que os pais sejam modelos de hábitos saudáveis. As crianças gostam de copiar aquilo que observam outros a fazer. Assim, se os pais ingerirem alimentos saudáveis, a criança apresentará uma maior disposição para experimentá-los.

Em vez de seguirmos as pisadas de gerações passadas, temos a oportunidade de impactar positivamente a relação dos nossos filhos com a comida e trocar provérbios desatualizados por mensagens inteligentes, que ajudam a estabelecer hábitos saudáveis.

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