Todos os anos pelo Verão: destino ou desatino?

A conclusão lógica própria de seres racionais será a da cooperação entre todos para se encontrar uma via para que no verão não seja sempre o mesmo desatino.

É um destino e um desatino a chegada do mês de junho, com os incêndios que traz no ventre sobretudo no chamado “interior” cada vez mais deserto. As povoações fogem das terras que os viram nascer, deixando o que tinham nas mãos da Natureza, cuja lógica é muito diferente da humana, embora façamos parte dela.

O abandono do “interior”, com a consequente queda demográfica, leva a que essas pessoas desaguem em Lisboa, Porto e noutros centros urbanos. Havendo muito menos população no interior, os círculos eleitorais terão cada vez menos deputados, o que significa que os partidos políticos os considerarão menos relevantes do ponto de vista das estratégias de captar apoios, votos e deputados.

Aqui chegados, este problema da desertificação do país é transversal aos partidos, agentes económicos, sociais, culturais, eclesiásticos, sindicais e educacionais.

Quer a esquerda, o centro ou a direita, quer o patrão, o trabalhador, o agricultor ou o professor, quer o padre ou o médico, todos estarão de acordo que este caminho explica em boa medida os incêndios e outros dramas sociais.

Então, a conclusão lógica própria de seres racionais será a da cooperação entre todos para se encontrar uma via para que no verão não seja sempre o mesmo desatino.

Haverá algum partido político, algum sindicato, alguma organização patronal que esteja interessada neste estado de coisas? Alguma autoridade religiosa? Professores? Agente cultural?

É forçoso concluir que a imensa esmagadora maioria da população não tem interesse neste estado de coisas; talvez uma ínfima parte da burguesia compradora e alguns poucos grandes agricultores que se refastelam com os subsídios de Bruxelas ou os que descobriram os sem-ninguém provenientes do Nepal ou India.

Para fazer frente à situação, cabe, antes de mais, ao Governo fazer o levantamento do cadastro de todos os proprietários, para ser possível formar uma ideia acerca da relação das propriedades e dos proprietários com o abandono da maior parte delas.

Nesta senda, a partir das juntas de freguesia e dos organismos criados ou a criar nesta área, impõe-se estabelecer um diálogo com os proprietários para compreender como cada um encara o futuro dos terrenos que os não podem deixar ao abandono, no sentido que tal atitude pode significar incêndios que têm consequências dramáticas na comunidade. Ou trata ou estabelece acordos com as respetivas autoridades. Aqui, a inflexibilidade do tratamento deve ser acompanhada pela flexibilidade no modo de fazer o tratamento e respetivas despesas.

É preciso partir de uma premissa – os fogos significam despesas colossais, pelo que os representantes das autoridades envolvidas devem ter presente esse facto. Por outro lado, não se visa expropriações por incumprimentos no plano imediato; a criação de organismos de proximidade ajudaria a distinguir os diferentes casos que implicam diferentes soluções num quadro de limpeza dos terrenos sem vacilações, integrado num plano mais geral e gradual de ordenamento de todo o território abrangido.

A propriedade dos terrenos sem que os seus donos, pelas mais variadas razões, não se interessem por eles, não pode significar a intocabilidade dessas propriedades, tendo em conta as sucessivas tragédias que varrem o país na zona do minifúndio. O imperativo nacional sobrepõe-se à inércia de décadas, de um tempo sem regresso.

Há que pesar os direitos em confronto – o da propriedade privada e o do abandono pela ausência da posse e as consequências devastadoras para toda a comunidade e para o próprio território nacional. Estas dificuldades imensas poderiam ser suplantadas pela boa cooperação entre todos os partidos e diferentes organizações sócio profissionais. Cooperação em vez de confronto, neste terreno.

Esta cooperação estratégica poderia servir de base para um entendimento necessário para encontrar a médio prazo os caminhos para a fixação das populações no interior do país. Sendo um desígnio nacional, é imperioso encontrar esses caminhos.

Tendo em conta a crise urbanística nas grandes cidades, a falta de serviços públicos e até privados nas cidades e vilas do interior, qual é o partido que está contra esta meta? Apenas ligar a inteligência cooperativa e integradora e desligar a visão estreita, partidarista e retrógrada. Antes que o interior se desertifique num braseiro anual, sejamos capazes todas e todos de o impedir.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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