Divorciada e “estranha”. A freira activista que foi de Hollywood para um convento — e para o TikTok

Depois de um curso de Teatro, um emprego em publicidade e uma traição, aos 46 anos Claudette juntou-se a um convento aberto à comunidade LGBT e que ensina justiça racial. Apesar da apreensão das outras irmãs, criou conta no TikTok. “Não é tão estranho como se pensa”, diz.

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O que é que uma freira tem nos bolsos? O que é que se come num convento? Ambas as questões, a juntar às rotinas de tratamentos de pele, guias de penteados, conselhos de vida e esclarecimentos sobre religião, compõem a panóplia de assuntos que servem de mote para os vídeos da irmã Monica Clare. E tudo começou com um peru.

“Quando eu entrei no TikTok, as irmãs estavam realmente apreensivas, porque leram sobre o assunto no jornal na altura em que Donald Trump tentou acabar com a aplicação nos EUA. Elas diziam que era um esquema fraudulento e que eu não deveria estar lá”, conta a irmã Monica, em conversa com o P3.

Natural do estado da Georgia, e após viver décadas em Los Angeles, Monica Clare — ou Claudette Monica Powell, como marca a identificação civil — está há dez anos a viver na Comunidade de São João Baptista, em Nova Jérsia, uma ordem religiosa da Igreja Episcopal. “Durante os nossos votos para a vida religiosa é-nos dito para vivermos ‘a vida escondida’. O objectivo de ser freira é como que desaparecer por detrás da mensagem de Cristo, mas as coisas mudaram nos últimos 15 ou 20 anos”.

As redes sociais, neste caso o TikTok, são plataformas que podem e têm sido usadas por membros de comunidades religiosas para professarem a mensagem em que acreditam. “Acho que as irmãs percebem que estou a passar uma boa mensagem, não estou a gozar com a vida religiosa e não estou a ser indigna. Apesar de eu ter um estranho sentido de humor, continuo a tentar mantê-lo sisterly [adequado a uma freira].”

Na aplicação de vídeos, a irmã Monica anunciou que todos os ganhos monetários que resultassem da actividade iriam reverter para o convento. Até ao momento, angariou cerca de 30 dólares. “Já ajuda, podemos comprar fios para coser ou comida para os gatos. Penso que as pessoas têm esta ideia errada sobre o TikTok de que, se tivermos um certo número de seguidores, ganhamos um monte de dinheiro”, diz.

Se ficarmos escondidas, desaparecemos

A norte-americana de 56 anos publicou o primeiro vídeo no TikTok em Junho de 2021. Antes, um amigo estava constantemente a enviar-lhe mensagens a perguntar se já tinha conta na aplicação. “Eu respondia: ‘Eu não sei o que é o TikTok. Não é para crianças’?” A forma de a atrair, segundo a própria, foi revelar que na aplicação existiam vídeos de gatos.

Para começar a produzir o próprio conteúdo, bastou “algo engraçado que estava acontecer no convento”. “Um peru selvagem apareceu e estava a aterrorizar-nos. Era um peru tão engraçado... Então eu publiquei alguns vídeos dele e foi isso que me deu seguidores e um vídeo viral”, explica.

A partir do momento em que se apercebeu de que existiam pessoas interessadas no que publicava, começou a partilhar “informações sobre freiras e ordens religiosas”. “Achei que ninguém iria ver esses vídeos”, confessa. Hoje, conta com mais de 170 mil seguidores e 1,6 milhões de likes. “Percebi que os meus seguidores estavam a aumentar todos os dias, e eram principalmente mulheres da geração X.”

As perguntas que as pessoas que começavam a acompanhar a página faziam mais frequentemente não iam exactamente ao encontro daquilo que a freira esperava. “Perguntavam-me: ‘Como mantém a pele tão jovem?’. E eu pensei: ‘A minha pele não parece jovem, eu pareço uma velhinha.’ Então fiz um vídeo sobre o facto de não ter uma rotina de cuidados com a pele e as pessoas acharam engraçado. Foi o que me levou ao nível seguinte no TikTok”, revela. Apesar de não ter sido o propósito inicial, ficou “feliz por fazer as pessoas rir”.

“Há muitas ideias erradas em relação às freiras. As pessoas perguntam se nós usamos electricidade, ficam chocadas por eu ter um smartphone e poder usar as redes sociais. Rejeitamos muita da cultura popular, mas também não estamos a mendigar nas ruas. Não é tão estranho como se pensa. Por isso, estou a educar as pessoas”, afirma.

@nunsenseforthepeople I thought people would be asking questions about transubstantiation and Gregorian chant, but the ladies want the nunly skincare tips. #nunsoftiktok ? original sound - Sister Monica Clare, CSJB

Aqui ficam, desde já, alguns esclarecimentos. Nenhuma das freiras tem conta bancária, só o convento. Não recebem salário, apenas uma mesada no valor de 50 dólares “para comprar creme de mãos, pasta dos dentes, champô, roupas civis”, que provêm dos donativos que a comunidade recebe. “A maioria de nós não gasta os 50 dólares porque as nossas necessidades básicas já são satisfeitas pelo convento”, revela.

Segunda-feira é dia de folga e, todos os anos, as freiras da Comunidade de São João Baptista têm direito a um mês de descanso. À quarta-feira e sexta-feira não comem carne, e sobremesas só em dias festivos e ao domingo.

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Uma freira activista

Muitos dos que seguem a conta @nunsenseforpeople “são agnósticos, não-religiosos, mas acreditam no amor e na compaixão”, diz a freira. “Adoro isso. Ligar-me às pessoas a um nível que transcende a religião faz com que toda a minha vida valha a pena ser vivida”, afirma.

Na opinião de Monica Clare, o público fica “surpreendido” pelo espaço e abertura que existe para questionar. “Pensam que a religião é como o fundamentalismo, onde não se pode fazer perguntas, não se pode duvidar ou lutar com as coisas por medo de ir para o Inferno. Eu tento dizer-lhes que não, e penso que as pessoas ficam realmente aliviadas ao ouvir isso”, declara.

Não só no TikTok, também no Instagram e Facebook, a irmã manifesta-se acerca de assuntos como eleições, os direitos reprodutivos das mulheres e o movimento Black Lives Matter. Quando questionada, Monica Clare confirma: “Gostaria de ser uma freira activista.”

@nunsenseforthepeople We differ from our Roman Catholic brothers and Sisters and we still love them. ?? #nuntok #episcopal #convent #fyp? #nunsoftiktok ? original sound - Sister Monica Clare, CSJB

Passando da palavra para a acção, organiza “fóruns comunitários com diferentes igrejas” para educar “o público local sobre justiça racial”. “Elaborei um programa sobre como as comunidades religiosas podem ser mais acolhedoras para as pessoas de minorias raciais e livrarem-se dos preconceitos. Mas eu quero fazer mais”, atesta.

O “sentimento de querer ser amada nunca vai embora”

Monica Clare, ou Claudette, tirou a licenciatura em Teatro na Universidade de Nova Iorque e em 1989 mudou-se para Los Angeles para perseguir o sonho de ser actriz, algo que não durou muito tempo. “Durante anos e anos pensava que estava a viver a minha vida de um modo verdadeiro e autêntico. Trabalhava numa área criativa, sentia-me livre e depois percebi que estava deprimida, a contrair muitas doenças crónicas. Tinha de mascarar muita coisa e fingir ser algo que não era”, avalia.

Ainda tentou enveredar pela comédia, mas acabou a trabalhar como editora de fotografia numa empresa de entretenimento e publicidade em Hollywood. Pelo meio, ainda pertenceu a uma banda de rock acústico durante seis anos. “Em publicidade, deve ser-se extrovertido, vistoso, e eu não sou absolutamente nada disso. E sabemos sempre quando nos estamos a esforçar por nos integrarmos e não nos integramos. Cheguei ao ponto em que percebi que nunca me iria encaixar.”

Após começar a fazer terapia e a ir a reuniões de um grupo de apoio para famílias de alcoólicos e toxicodependentes, apercebeu-se de que sempre havia pensado que ninguém iria gostar da “criança que queria ser freira e é demasiado estranha” e que, por isso, andava a tentar “consertar” a “pessoa defeituosa” que achava ser. “Apercebi-me de que não tinha de o fazer. Isso foi um enorme renascimento”, salienta. “Aqui [no convento] não sou esquisita. Toda a gente é esquisita como eu.”

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Antes de se comprometer com a Igreja, Claudette Monica foi casada. “Para mim, o casamento não foi um anseio natural. Mas eu tinha namorado — o único namorado que alguma vez tive —​, Chris, que conheci no trabalho. Ele não queria casar e eu não queria casar, mas deixámos que todos na nossa vida nos convencessem a fazê-lo. E não era um bom relacionamento, era muito frio, muito distante”, relata.

Estiveram juntos durante sete anos e, dois anos após o casamento, Claudette descobriu que Chris a tinha traído o tempo todo. “Foi quase um alívio, ainda que doloroso. O que ele não sabia era que durante todo o tempo em que estivemos casados eu tinha andado a enviar e-mails a freiras católicas romanas e a dizer: ‘Sou casada, trabalho em publicidade, quero ser freira desde que era criança e não consigo parar de pensar nisso’.”

Enquanto freira, o “sentimento de querer ser amada nunca vai embora”, confessa a irmã. Tem é de ser “sublimado” com outras distracções. Formar relações com as outras freiras também ajuda. “É um tipo diferente de amor, é um amor fraterno, onde não há medo de abandono ou rejeição, porque ninguém se preocupa com a aparência. Se houver uma grande discussão, a pessoa não vai entrar num carro e ir embora e isso faz uma grande diferença para mim. Eu nunca tive algo assim”, expressa.

“Será que isto ainda é o que eu quero ser?”

“Não vejo a vida religiosa como opressiva e repressiva”, afirma Monica Clare. Ainda que para muitos ‘ser livre e ser freira possam parecer antónimos, para a norte-americana, “liberdade é rejeitar os papéis em que as pessoas forçam as mulheres a viver”. “Desde o início que as freiras rejeitaram a repressão da sociedade a fim de viverem livremente no que são”, destaca.

Apesar de a vocação a acompanhar desde que se recorda, Claudette denota que entrar “numa comunidade é um enorme salto de fé”. “Basicamente, coloca-se uma venda, salta-se de um penhasco e espera-se que Deus nos apanhe”, completa.

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Ainda durante o período em que esteve casada, Claudette foi com o marido à Catedral de Notre Dame, em Paris. Mal entrou, sentiu-se assoberbada por aquilo que descreve como sendo a presença de Deus. Desde então, nunca duvidou do caminho que precisava de seguir. “Tenho vontade de chorar ao pensar nisso. Todos os dias da minha vida eu pergunto: ‘Será que isto ainda é o que eu quero ser?’. E todos os dias agradeço a Deus por ser aqui que estou. O meu maior desejo é servir a Deus até ao meu último suspiro. Quando aceitaram a minha candidatura [na comunidade], disse: ‘Sinto-me como se tivesse vivido no exílio toda a minha vida e estou finalmente a ser autorizada a voltar para casa’. Isto parece-me uma casa.”

O único arrependimento? “Não ter aderido a uma comunidade quando tinha 18 anos.”

Texto editado por Renata Monteiro

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