As minhas desculpas às gerações futuras

Intuitivamente, todos percebemos que há algo de errado no raciocínio: como é possível salvar o nosso planeta, destruindo-o? Substituir simplesmente um extractivismo (energias fósseis) por outro (fontes renováveis e carros eléctricos), sem mudar o nosso modelo de sociedade esbanjador, não vai resolver os desafios que enfrentamos, pelo contrário.

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EPA/FRIEDEMANN VOGEL

Peço, modestamente, desculpas às gerações futuras pelo mundo caótico que lhes vamos deixar devido à destruição da natureza. Peço desculpas à grande parte da população mundial e às gerações passadas que sofreram com os efeitos da globalização, e que vivem em miséria para nós, ocidentais, podermos viver na opulência. Peço perdão aos milhares de seres vivos que desaparecem todos os dias, devido à nossa actividade predatória.

Desde 1972, ano em que foi publicado o relatório Limites do crescimento do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT, na sigla inglesa), nos Estados Unidos, que temos consciência das consequências nefastas do nosso modelo de desenvolvimento sobre o planeta. Vários estudos confirmam que, para adaptar o nosso modo de vida à capacidade de carga do planeta, os países ditos ocidentais deveriam diminuir em 75% as suas emissões de dióxido de carbono até 2030. Em vez disso, o que observamos é um aumento global das emissões (mais 27% até 2040, segundo as projecções da Agência Internacional da Energia).

Mesmo assim, o que fazemos nós para contrariar essa evolução mortífera? Pouco ou nada. Preferimos enfiar a cabeça na areia e deixar os decisores (políticos e económicos) decidirem por nós sobre o nosso futuro. Só que em vez de analisarem as causas profundas desta crise, os ditos decisores preferem tratar as consequências, fonte de mais oportunidades económicas.

Enfrentar esse desafio implicaria, antes de mais, incentivar uma diminuição drástica dos nossos consumos energéticos e materiais. Fabricar milhares de milhões de painéis solares e construir milhões de eólicas e carros eléctricos nunca vai ser a solução. Os decisores esqueceram-se de um pormenor importante: a transição “verde” que eles pretendem mobilizaria quantidades colossais de matérias-primas e energia. A consequência inevitável seria o desenvolvimento desenfreado da mineração em todo o planeta: teríamos que extrair dos solos mais matérias-primas do que as que já exploramos desde os primórdios da humanidade, o que seria uma barbaridade.

Intuitivamente, todos percebemos que há algo de errado no raciocínio: como é possível salvar o nosso planeta, destruindo-o? Substituir simplesmente um extractivismo (energias fósseis) por outro (fontes renováveis e carros eléctricos), sem mudar o nosso modelo de sociedade esbanjador, não vai resolver os desafios que enfrentamos, pelo contrário.

Mas, então, o que podemos fazer? Começar por identificar o principal “culpado”: o sistema socioeconómico ocidental globalizado, baseado na maximização do lucro a todo o custo e na busca obstinada pelo crescimento. O chamado capitalismo. A solução é substituir esse sistema por um sistema justo e em equilíbrio com o meio natural. Enquanto não atacarmos o cerne do problema, as soluções propostas estarão destinadas ao fracasso.

Por isso, além de enfrentarmos um desafio ecológico sem precedentes, também vamos ter que enfrentar um desafio sociopolítico e económico transformador da mesma amplitude. Se nada for feito rapidamente nesse sentido, o mundo tornar-se-á cada vez mais instável e caótico. É esta a verdade inconveniente.

Perante este quadro assustador, não devemos baixar os braços, mas sim sair da nossa letargia e usar democraticamente a força popular para exigir aos responsáveis políticos que tomem as medidas acertadas.

Finalmente, caso o despertar salutar não acontecer, peço desde já às gerações futuras e passadas, aos povos e seres vivos em sofrimento, que aceitem as minhas sinceras e modestas desculpas.

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