Pedro, 71 anos, 13 mulheres e 44 filhos da poligamia em Moçambique

Em Moçambique, a poligamia não está legalizada, mas não constitui crime. Em certos contextos, é uma tradição, mas que continua a destinar as mulheres à pobreza, sobretudo em zonas rurais.

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Pedro, de 71 anos, na aldeia de Mpandeia, em Moçambique LUSA/ANDRÉ CATUEIRA

Pedro Faricai, 71 anos, diz que continua a espalhar romance por 13 esposas com quem partilha um punhado de habitações precárias em Mpandeia, aldeia encalhada na cordilheira que separa Moçambique e o Zimbabwe.

Casou-se já tarde com a primeira mulher, em 1978, com 27 anos. No ano seguinte passou a partilhar tecto e cama com uma segunda esposa, antes de partir para o Zimbabwe com as duas, fugindo da guerra civil que durou 16 anos no seu país. Regressou em 1987 já com cinco mulheres e as outras três diz que as “fisgou” num campo de deslocados no Zimbabwe, refugiadas moçambicanas a quem prometeu “muito amor” no regresso à terra natal.

“Cheguei a ter 17 esposas. Duas faleceram, divorciei-me de outras duas e neste momento tenho aqui 13 mulheres”, refere num tom orgulhoso e sereno, rodeado de nove delas, enquanto outras quatro estão a trabalhar nos campos de cultivo.

Em Moçambique, a poligamia não está legalizada, mas não constitui crime. Consoante o contexto, até é uma tradição com alguma aceitação, uma tradição que teima em destinar as mulheres à pobreza, sobretudo nas zonas rurais, alertam organizações que estudam o tema.

Um movimento feminista, liderado pela WLSA Moçambique, o ramo moçambicano da ONG Women and Law in Southern Africa Research and Education Trust, tem combatido ferozmente a poligamia desde que alguns deputados admitiram incluí-la num anteprojecto da Lei da Família, em 2003. A ideia não avançou, mas os debates continuam acesos, com diversas organizações a lançar outros alertas: com a alta prevalência do VIH na África Austral, a poligamia em Moçambique é classificada como “arma fértil” para propagação do vírus que causa a sida.

Os debates sucedem-se, mas na sociedade moçambicana não há consenso. Crente da seita John Marange, um grupo conhecido por proibir a medicina convencional e promover a poligamia, Pedro Faricai diz à Lusa que continua a “arrasar” nos lugares de culto, onde conquistou a maioria das suas esposas, quase todas fiéis do culto.

“Agora tenho vontade de casar com outras, mas já não quero, chega”, diz, num tom indeciso, com um sorriso envergonhado por entre uma longa barba, cabeça rapada e a brilhar, imagem típica e obrigatória para os homens da seita. O concorrente mais próximo de Pedro Faricai na aldeia de Mpandeia tem três esposas e oito filhos. Na região, a maioria dos homens tem apenas duas esposas.

Quarenta e quatro filhos e 53 netos

Neste momento, com 44 filhos, algumas mulheres grávidas e 53 netos, segundo a recontagem feita em Junho, Pedro Faricai explica que optou pela poligamia — uma prática hereditária na família — porque não queria envelhecer “desgraçado e solitário”.

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Pedro Faricai, de 71 anos, posa para a fotografia ao lado das esposas na aldeia de Mpandeia, Chimoio, Moçambique, a 1 de Junho. LUSA/ANDRÉ CATUEIRA

“Sentei-me com a minha esposa e disse: ‘Quero acrescentar mulheres’, ela perguntou porquê, e eu disse: ‘Nós estamos a crescer, então, quando chegarmos à velhice como será? Os filhos vão crescer e sair para o casamento, como vamos viver?’ E ela aceitou.” Foi, até, a primeira mulher que o ajudou a conquistar outras, conta à Lusa o homem de corpo robusto e olhar determinado, sem aparentar 71 anos de idade. “Isto deixa-me muito satisfeito porque a qualquer momento que eu queira, estão sempre aqui”, remata.

O polígamo aproveita também a fama de ser um dos melhores produtores de tomate em Manica, fornecedor das províncias do centro do país, para ser fonte de rendimento, sustento familiar e, assim, conquistar mais mulheres.

A família do camponês está estruturada: as ordens da casa partem sempre dele e são raras as ocasiões em que alguma decisão é delegada noutra mulher — excepto assuntos de governação familiar, onde a organização assume certa complexidade. Tais assuntos devem envolver a primeira esposa, mais duas outras escolhidas caso a caso e dois filhos, seus herdeiros.

“Quando chega a noite, junto todas as esposas e fazemos rezas, como é de costume” e é nestas ocasiões, prosseguiu, que são delineados os planos de casa, apresentados os problemas e anunciadas as novidades. Nesta reunião, as mulheres estão proibidas de apresentar as suas necessidades pessoais, que devem ser faladas em surdina sempre que o homem visitar a casa de cada uma delas na noite agendada.

“Eu ajudei-o a ter mais esposas. Ao todo conquistei três mulheres para o meu marido”, diz, orgulhosa, à Lusa Mivisse Jeque, a primeira do polígamo.

Pedro Faricai tem a sua própria casa, a única com um televisor, que é como se fosse um centro do poder. É ali que vive e onde recebe as mulheres que escolhe para passar a noite, nos dias em que decide não ir às palhotas delas, distribuídas pelo amplo quintal, no meio do nada.

As províncias de Manica e Tete, no centro de Moçambique, bem como a província de Gaza, no Sul, continuam a ser aquelas onde se contam mais relações de poligamia, uma tradição que prevalece entrincheirada nas zonas mais remotas, imune a debates.

A poligamia é um dos temas recorrentes na obra de Paulina Chiziane, escritora moçambicana que em 2021, aos 66 anos, foi vencedora do Prémio Camões, elegendo a luta pela emancipação da mulher como um dos fios condutores do seu trabalho.

Uma realidade que passa ao lado de Pedro Faricai. Garante que se tivesse tido êxito em todas as ocasiões em que “espalhou o amor”, o número actual de esposas seria superior. “Muitos pais recusaram-se a dar-me as suas filhas em casamento”, lembra, seguido de uma gargalhada característica, mas que desta vez tenta esconder o orgulho ferido nas situações que não conseguiu fisgar mais uma mulher.