Sinagoga processa Florida: limites ao aborto violam liberdade religiosa

Uma lei da Florida, EUA, que proíbe que uma mulher aborte após 15 semanas de gestação e deverá entrar em vigor a 1 de Julho, viola a liberdade religiosa de judeus, alega uma sinagoga num processo contra o estado.

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Supremo dos EUA com novas barreiras à espera de protestos após decisão sobre Roe v. Wade KEVIN LAMARQUE/Reuters

Uma congregação judaica progressista processou o estado norte-americano da Florida por causa de uma lei que restringe o aborto após 15 semanas de gestação, dizendo que a fé judaica prevê o direito ao aborto “se for necessário para proteger a saúde mental ou o bem-estar físico da mulher”, e que ao impedir o acesso ao aborto, o estado está a impedir que seja exercida liberdade religiosa, prevista na constituição estadual, e também lhes nega direito à privacidade.

O processo, iniciado na semana passada, poderá não ser fácil de defender em tribunal, comenta o New York Times, acrescentando que, no entanto, “é um lembrete de que o aborto põe questões religiosas além das da direita cristã”, e “sugere ainda potencial questões legais que podem aparecer numa altura em que parece provável que Roe [a decisão no caso Roe v. Wade, de 1973, que sustenta que a Constituição dos EUA protege o direito da mulher a fazer um aborto] seja anulada, e que o Supremo Tribunal tem sido agressivamente aberto a um papel mais alargado da religião na vida pública e política”.

Espera-se uma decisão do Supremo ainda antes do final do mês. Um rascunho de decisão que circulou, numa fuga de informação inédita na mais alta instituição judicial do país, no início de Maio, defendia uma anulação de Roe v.Wade.

Se isso acontecer, espera-se que 28 estados proíbam ou restrinjam muito as leis do aborto, deixando os EUA num grupo restrito de países — apenas três — que dificultaram o direito ao aborto desde 1994: Polónia, El Salvador e Nicarágua.

Na exposição ao tribunal, a congregação L’Dor Va-Dor, de Boynton Beach, no Sul da Florida, invoca a restrição que a lei que restringe o aborto irá constituir “ao proibir mulheres judias de praticar a sua fé livres de intromissão do Governo”, o que “viola os seus direitos de privacidade e de liberdade religiosa”.

A lei no estado da Florida não prevê excepções para casos de incesto, violação, ou tráfico humano, autorizando interrupções de gravidez apenas se a vida da mãe estiver em perigo ou se dois médicos confirmarem que o feto tem uma deficiência fatal. A lei, assinada em Abril pelo governador republicano Ron DeSantis, já foi alvo de um desafio legal da ACLU da Florida, no início do mês.

A Florida tem uma decisão do seu Supremo estadual que prevê direito à privacidade em casos de aborto, e como o direito à privacidade está na constituição do estado, o tribunal tem citado essa decisão para reverter leis que restrinjam o direito ao aborto. Mas o Supremo do estado, explicava recentemente o Politico, é agora dominado por conservadores e há quem espere que possa confirmar esta lei prestes a entrar em vigor.

O gabinete do Governador emitiu uma declaração dizendo que estava “confiante de que esta lei vá resistir a todos os desafios legais”.

O rabino da congregação, Barry Silver, defende um “judaísmo moderno e progressista” com base “na razão e na ciência”, diz o New York Times, que ouviu ainda especialistas em judaísmo explicando que na religião é aceite que o feto tem “potencial” de ser uma pessoa, mas ainda não é totalmente, como disse Michal Raucher, professor de estudos judaicos na Universidade Rutgers (Nova Jérsia). Segundo uma sondagem a eleitores judeus, feita pelo Jewish Electorate Institute, 75% dos inquiridos estavam preocupados com uma anulação do Supremo de Roe v.Wade.

Entre judeus ortodoxos, o cenário é diferente: o aborto é considerado necessário em casos de perigo de danos graves, físicos ou psicológicos, para a mãe, mas não em casos de “dificuldades simples” ou “na crença de um direito a escolher”, disse ao Times o rabino Moshe Hauer, vice-presidente executivo da União Ortodoxa.

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