Na NBA, Wiggins só se tornou estrela quando desistiu de o ser

O extremo dos Golden State Warriors chegou à NBA em 2014, com honra de primeira escolha do draft, mas só em 2022, quando se tornou útil num papel secundário, está a prosperar como uma verdadeira estrela.

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Wiggins (de branco) em acção frente aos Celtics Reuters/Jed Jacobsohn

Ser apontado como estrela, poder ser uma estrela e conseguir tornar-se uma estrela são três dimensões diferentes para a subida ao topo de um campeonato como a Liga Norte-americana de Basquetebol profissional (NBA). Durante muitos anos, Andrew Wiggins só subiu dois desses patamares. Agora, subiu o terceiro.

“Se tiver de marcar, ganhar ressaltos, defender e tudo mais que me pedirem, vou fazê-lo”. A frase do jogador canadiano não é o tipo de declaração que habitualmente se ouve das grandes figuras da NBA. Mas, neste caso, há um motivo para este jogador se prestar à humildade de fazer todo o tipo de trabalho: é que o afável, sorridente e simpático Wiggins só consegue ser estrela quando não é uma estrela.

O jogador de 27 anos está a ser fundamental nos play-off da NBA, com o pináculo dessa condição a chegar no jogo 5 das finais, noite em que conseguiu que os Warriors vencessem um jogo no qual Stephen Curry não marcou um único triplo. Era uma utopia? Era. Mas os predicados de Wiggins, defensiva e ofensivamente, permitiram a Golden State, mesmo “sem Curry”, chegar-se à frente na final da NBA, tendo agora dois “match-points” para o jogo 6 (madrugada de quinta para sexta-feira) e para uma eventual sétima partida.

Tudo isto só tem sido possível porque Wiggins teve de dar um passo atrás. Deixou de ser o foco de uma equipa e, sobretudo, deixou de carregar aos ombros o peso de resolver os problemas. Em Golden State, há Curry. Também há Thompson. Há Poole. Há Green. Quer no ataque, quer na defesa, Wiggins tem à volta talento que lhe permite ser estrela sem ser estrela – e, com o canadiano, é esse o segredo.

"Onde está a arrogância?”

Filho de uma velocista olímpica pelo Canadá e de um ex-basquetebolista da NBA, o extremo dos Golden State Warriors chegou à NBA em 2014, comparado com Tracy McGrady e com honra de primeira escolha do draft, à frente, por exemplo, do seu grande amigo Joel Embiid, de Julius Randle ou Zach Lavine, jogadores que individualmente já têm outro tipo de tarimba na Liga. Tinham mais talento do que Wiggins? Não necessariamente. Mas tinham algo que Wiggins nunca teve: perfil de estrela e “instinto matador”.

Em 2014, antes de Wiggins entrar no draft da NBA, um texto escrito no canadiano Globe and Mail, fazia-lhe uma “radiografia” clara: “Está tudo muito bem com ele, mas onde estão a arrogância e a vaidade que se esperam de uma jovem estrela? Comparando com Michael Jordan, Kobe Bryant ou Lebron James, os cépticos interrogam-se sobre a falta de fogo e ferocidade que levaram estes atletas ao cume da profissão. No fundo, o que perguntam é: será ele demasiado simpático para ser uma estrela?”.

Bill Self, treinador de Wiggins no basquetebol universitário, explicava que o canadiano é “um miúdo educado, gentil e pacato”. “É a estrela que não se importa se é estrela. Ele gosta de sair e ser um miúdo. É dos que não têm pressa de crescer. Não é tímido, mas não procura atenção”, apontou. E foi mais longe, sobre o que disse, um dia, ao rapaz que estava a jogar em Kansas, a universidade onde já tinha andado um tal Wilt Chamberlain: “Não vão existir manchetes sobre ti. Nunca vais ser o melhor jogador que já por cá andou. O Chamberlain jogou aqui. Serás parte de algo maior do que tu”.

Em campo, tudo isto se materializou em vários handicaps. Em seis temporadas nos Minnesota Timberwolves, mesmo partilhando responsabilidades com Karl-Anthony Towns, Wiggins foi brindado com dois adjectivos recorrentes no basquetebol norte-americano: mole, pelo perfil pachorrento e pela falta de “instinto matador”, e sobrevalorizado, pela forma como não justificava, ano após ano, o estatuto de primeira escolha do draft de 2014.

Conscientemente ou não, Wiggins pareceu ter levado tudo isto bastante a sério. Não só nunca se desligou do perfil pacato – os americanos definiram-no como “too nice to be a superstar” [demasiado simpático para ser uma superestrela] –, como só encontrou o seu espaço quando se tornou, em Golden State, parte de algo maior do que ele, tal como já lhe diziam em Kansas.

Desta semana, quer os Warriors ganhem – o mais provável – ou percam, a imagem que fica de Wiggins é do homem que defendeu Jayson Tatum e Jaylen Brown como se fosse um dos melhores defensores da Liga e também do jogador que fez um afundanço a cerca de dois minutos do fim do jogo 5, deixando os Celtics a 15 pontos.

No fundo, do jogador que, com 26 pontos e 13 ressaltos, tornou real a utopia de os Warriors ganharem um jogo da final sem Curry marcar um único triplo. E só o “novo Wiggins” poderia fazer isto – o “antigo” provavelmente teria uma quebra mental pela responsabilidade de ter de ser ele o “dono da bola”.

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