Cavaco Silva, o PS e a televisão privada

É completamente falso que o PS não tenha participado ativamente no processo legislativo que consagrou a abertura da televisão à iniciativa privada.

Cavaco Silva gosta de reivindicar apenas para os governos que liderou os méritos da abertura da televisão à iniciativa privada. Já o fez em várias ocasiões, mas desta vez, num artigo há dias publicado no Observador, vai mais longe ao referir que a “gostaria de ter feito com o PS” e que essa reforma “foi uma das mais marcantes” das suas maiorias absolutas.

Dizia Goebbels, ministro nazi da Propaganda, que “uma mentira mil vezes repetida torna-se verdade”. Para evitar esse risco, relembremos a verdade dos factos:

  1. A abertura da televisão à iniciativa privada em Portugal decorreu da revisão constitucional de 1989. Na votação relativa à nova redação do artigo 38.º, n.º 7, que permitia a televisão privada, registou-se uma unanimidade dos deputados. No processo de revisão constitucional, PS, PSD e CDS tinham proposto a eliminação da norma que vedava a propriedade privada de televisão.
  2. A norma da Constituição de 1976, revogada em 1989, que estipulava que a televisão não podia ser “objecto de propriedade privadafora aprovada, em 29 de agosto de 1975, por todos os partidos, com apenas uma abstenção do deputado Marcelo Rebelo de Sousa, que antes defendera que a televisão deveria ser objeto de “propriedade de empresa pública autónoma.
  3. O debate no espaço público sobre o fim do monopólio do Estado na televisão começara anos antes da revisão de 1989. Depois de, em 1982, o PSD defender a atribuição de um canal televisivo à Igreja Católica, no programa do Governo do mesmo partido, em 1985, era referido que se pretendia atribuir “a concessão da exploração, total ou parcial, de um canal de televisão à iniciativa privada, acautelando, contudo, a preservação de valores essenciais, o que, prevalentemente” - acrescentava-se, apontava para que o beneficiário da concessão viesse “a ser a Igreja Católica”. O PS opor-se-ia a esta proposta, sublinhando a sua inconstitucionalidade, mas, em diversas ocasiões – declarações de Mário Soares no início de 1985, projeto de Lei de Bases dos Meios Áudio-Visuais apresentado pelos socialistas em 1986 e o Programa de Governo para as eleições de 1987, entre vários exemplos, os socialistas demonstrariam um evidente apoio à consagração da televisão privada. O primeiro projeto de lei que previa a abertura da televisão à iniciativa privada, sem que se visasse, pelo menos explicitamente, como antes, a concessão de um canal à Igreja Católica, foi apresentado pelo CDS em março de 1984, mas seria reprovado por maioria e considerado como contrário à Constituição.
  4. Publicada a lei constitucional de 1989, que eliminava a norma que vedava a propriedade privada de televisão, o primeiro projeto de lei que visava a regulamentação da forma de abertura a operadores privados foi apresentado pelo PS, ainda em 1989. A nova Lei da Televisão (Lei n.º 58/90), consagrando essa mudança, seria aprovada em julho de 1990, com os votos favoráveis, entre outros, do PS e do PSD.

É, pois, completamente falso que o PS não tenha participado ativamente no processo legislativo que consagrou a abertura da televisão à iniciativa privada, apoiando e participando na imprescindível modificação do quadro constitucional e legislativo, quando ela foi desencadeada a partir de 1989. Aliás, no quadro europeu, a maior parte dos países permitiu a televisão privada, terminando com o monopólio do operador público, entre 1987 e 1994. Com a alteração do quadro legislativo, seguido do processo de licenciamento dos novos operadores acompanhado então pela Alta Autoridade para a Comunicação Social, o início das emissões privadas em 1992 situa o nosso país, nesse domínio, na média europeia.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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