Delphine Jelk: “Na hora de criar um perfume, ser sustentável é uma preocupação”

É perfumista há 20 anos e recebeu a insígnia de dama da Ordem das Artes e das Letras, em Dezembro passado. Está na Guerlain há oito anos e declara que a sustentabilidade “não é uma tendência, é um compromisso”.

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Delphine Jelk é perfumista na francesa Guerlain desde 2014 DR

Desde 2014, que a suíça Delphine Jelk é perfumista na francesa Guerlain e, em Dezembro passado, recebeu a insígnia de dama da Ordem das Artes e das Letras, uma condecoração concedida pelo Ministério da Cultura francês, que distingue quem se destaca pelas suas criações e contribui para o desenvolvimento das artes e das letras não só no país, mas também no mundo. A sua primeira memória olfactiva foi a de um frasco de óleo de damasco que, quer a avó, quer a mãe usavam.

Jovem, chegou a Paris para estudar design de moda e trabalhou na área, mas as memórias olfactivas desenvolveu-as na Firmenich, uma empresa suíça com mais de 120 anos, do ramo dos aromas e fragrâncias. Antes de ser perfumista na Guerlain, Delphine Jelk desenvolveu vários projectos de alta perfumaria para a marca de luxo que se destaca na área da cosmética e perfumaria. Então, sentia que a maison precisava de um perfume icónico como o Miss Dior, da Christian Dior, e criou o La Petite Robe Noir, que viu a luz do dia em 2009, mas foi lançado internacionalmente em 2012 — a perfumista gosta de se inspirar em pessoas, diz ao PÚBLICO e, neste caso, inspirou-se no filme de 2006 Marie Antoinette, de Sofia Coppola, quando viu a rainha francesa, interpretada por Kirsten Dunst,​ a comer macarons e imaginou o doce dos aromas de framboesa, cereja e rosa. Dois anos depois, entra na Guerlain, casa fundada em 1828 por Pierre-François-Pascal Guerlain, e, desde então, tem desenvolvido vários projectos. É perfumista há 20 anos.

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No início de Maio, Delphine Jelk esteve em Portugal para apresentar Nerolia Vetivera, a última fragrância da Aqua Allegoria Collection. Anualmente, a maison, que faz parte do conglomerado de luxo LVMH, lança um novo perfume para esta colecção, sempre numa embalagem semelhante — a bee bottle, um recipiente decorado com elementos dourados que parecem favos de mel, uma referência à abelha, o animal de eleição da casa francesa e a sua assinatura há mais de 170 anos. O frasco foi redesenhado num formato recarregável (de maneira a minimizar as emissões de carbono e reduzir o uso do vidro e do plástico) e feita com 15% de vidro reciclado, informa a marca. A mesma preocupação existe para as matérias-primas: 95% dos ingredientes são de origem natural. A Aqua Allegoria Collection é feita exclusivamente com álcool de beterraba, de agricultura orgânica, produzido em Chartres, França. Todos os fornecedores são controlados pela organização independente Union for Ethical BioTrade, da qual a Guerlain é membro desde Junho passado.

Não é a primeira vez que desenvolve um projecto para a Guerlain, como surgem as ideias para novas fragrâncias?
Eu adoro criar e a minha cabeça está sempre cheia de novas ideias! Adoro ter uma página em branco, escrever e é emocionante receber as primeiras reacções, é o meu momento favorito no processo de criação. A minha inspiração vem da arte, da natureza, da moda, da literatura, mas também das pessoas.

Quanto tempo é necessário para criar um novo perfume?
Depende. Pode levar meses, às vezes anos. Não existe uma regra precisa. O tempo médio é de um ano a um ano e meio.

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E este último?
A criação de Nerolia Vetiver levou muitos meses, quase um ano. Eu imaginei esta fragrância durante o primeiro confinamento. Eu estava em casa, mas o nosso laboratório nunca fechou, então pudemos trabalhar em conjunto com bastante facilidade. E eu, pessoalmente, adoro trabalhar com os meus filhos por perto, por isso, adorei criar esta nova fragrância. A minha equipa foi incrível, houve muita solidariedade e tivemos a sorte de continuar sempre a comunicar entre nós.

Em que mulher estava a pensar quando criou esta fragrância?
Esta não é uma fragrância pensada para um tipo específico de mulher. Aliás, não é especialmente para mulheres nem para homens. Queríamos [os actores italianos] Monica Vitti e Marcello Mastroianni no mesmo frasco. A intenção criativa tinha como objectivo fazer a pessoa sentir-se bem, ser um aroma tocante, uma emoção.

Actualmente, existe uma preocupação com a sustentabilidade. Como é que essa preocupação se reflecte no seu trabalho?
Esta é uma questão muito importante para mim. Hoje, os consumidores procuram cada vez mais naturalidade nos produtos e responsabilidade ecológica. Desde a sua criação, em 1828, a maison Guerlain utiliza matérias-primas naturais. Hoje, somos mais do que nunca a favor da sua utilização, mas também produzimos de forma mais sustentável. Não é uma tendência, é um compromisso. Por isso, na hora de criar um perfume, ser sustentável é uma preocupação permanente, desde a origem da matéria-prima até ao produto final.​

Até agora, qual é a sua fragrância favorita?
Jicky, l'Extrait [perfume lançado em 1889]. Adoro tudo neste perfume, o cheiro que fica na minha pele, mas também a sua história. É, na minha opinião, o primeiro perfume abstracto, mais focado na emoção do que na imitação da natureza.

O que distingue a Guerlain da concorrência?
A Guerlain é acima de tudo uma casa de beleza. O nosso conhecimento e experiência​ em cosméticos são um verdadeiro ponto forte em comparação com outras marcas, que costumam ter dois pilares: moda e beleza. No nosso caso, somos especialistas em beleza. Além disso, diria que fomos pioneiros em termos de desenvolvimento sustentável no sector da cosmética de luxo. Enquanto a tendência ecológica chegou ao mercado há alguns anos, na Guerlain comemoramos 15 anos de compromisso com a natureza. Um orgulho inestimável!

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