Banhos islâmicos de Loulé: de lixeira a candidato a património nacional

O complexo de Banhos Islâmicos, situados no casco da cidade, abre ao público a partir deste fim-de-semana. Mil anos de história resgatados de uma antiga lixeira.

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O novo museu
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Nas estreitas ruas do Centro Histórico de Loulé, os vestígios de um passado multicultural, secular, encontram-se ao virar de cada esquina. Quem sobe a calçada das Bicas Velhas, junto às muralhas do castelo, depara-se com um novo edifício, subtil nas linhas arquitectónicas, expressivo na forma. “Há toda uma cultura que persistiu e procurámos não perturbar todo esse acumular histórico”, explica Vítor Mestre, autor do projecto e investigador de arquitectura popular e património do Mediterrâneo. O espaço musealizado dos Banhos Islâmicos situa-se a cerca de duas centenas de metros de distância em linha recta com a Igreja Matriz, que terá sido uma primitiva mesquita.

Passando um muro, surge um pátio. Os Banhos Islâmicos (ou hamman) não surgem de imediato. Primeiro, há uma sala onde estão expostos artefactos, desenhos e outras peças para explicar o contexto social do que resta da herança cultural mediterrânica naquele sítio. “Em Portugal é monumento único”, destaca o arqueólogo Rui Almeida, admitindo que “há a possibilidade de um monumento do mesmo período poder vir a ser descoberto em Lisboa, mas pouco se conhece. Não está estudado e muito se debate em termos de comunidade científica”.

O achado arqueológico em Loulé compreende, não apenas os hamman, mas também o que sobrou, no mesmo local, daquela que terá sido uma casa medieval, pertencente à família Barreto. Continuando a percorrer o espaço museológico, chega-se, através das novas tecnologias - realidade aumentada (3D) –, à simulação de como era usado o espaço para banhos públicos, com água quente, tépida e fria. A obra de reabilitação ascendeu a 1,3 milhões de euros.

Quarteirão cultural

A leitura do património, material e imaterial, não se esgota, porém, no que está exposto dentro do novo edifício. O casario em redor, ligado por ruas de calçada polida pela erosão do tempo, é uma outra parte da mesma história do período islâmico no sul de Portugal. A herança cultural pesou na decisão arquitectónica? “Foi muito importante, mais a história social do que propriamente a história monumental”, diz Vítor Mestre.

A nova construção, sublinha, “é um elemento, de certa maneira agregador, desse património”. As paredes exteriores, feitas de tijolos com buraquinhos (grelhas), dão o mote para a abstracção - quem está dentro de casa vê o que se passa na rua, mas o inverso não acontece. “Procurámos uma arquitectura neutra e simultaneamente expressiva, no sentido da herança cultural mediterrânica”, explica o arquitecto-investigador que integrou a equipa que fez o levantamento da arquitectura popular do Mediterrâneo.

As escavações iniciaram-se em 2006 mas só cinco anos mais tarde é que viriam a ter o reconhecimento da comunidade científica. Nessa altura, o município estabeleceu um protocolo de cooperação científica com o Campo Arqueológico de Mértola com o propósito de aprofundar e alargar o projecto à reabilitação de uma área de mais de 6 mil metros quadrados, a que chamou Quarteirão Cultural. A obra encontra-se em fase de concurso público. Para já, o que pode ser observado é, talvez, apenas o capítulo de uma vasta história por narrar.

“Espero que Loulé possa dar um contributo para o diálogo que é necessário consolidar e alargar na relação dos Estados Ibéricos com o Magreb, nomeadamente o Reino de Marrocos”, destaca o presidente do município, Vítor Aleixo, adiantando que o ministro dos Negócios Estrangeiros, João Gomes Cravinho, estará presente na inauguração do equipamento neste sábado. O ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva é outro dos convidados para a cerimónia que conta, também, com a presença do embaixador de Marrocos.

Serviu de lixeira

A história deste sítio foi sendo construída (ou reconstruída) como se fosse um bolo de mil folhas. As marcas das diversas vivências estão presentes no território. Tanto assim é que o edifício onde se encontram os banhos chegou a servir de lixeira da cidade cerca de um século depois do abandono para os fins a que foi construído. “Sabemos que existia um talho próximo”, diz Rui Almeida, admitindo que poderá ter sido utilizado como vazadouro de resíduos relacionados com essa actividade.

Mais tarde, um nobre recebeu autorização do rei para construir, no mesmo local, a sua residência. Mais recentemente, deu-se a grande descoberta. Uma máquina, enquanto abria uma vala para colocar uma caixa de águas pluviais no largo D. Pedro I desenterrou tanques e vestíbulos (pátios) na área adjacente aos vestígios arqueológicos - conhecidos desde 2006. É nesta altura que se abrem novos horizontes.

“Estamos diante de um património de grande importância, não só para a cidade de Loulé, como para todo o país”, sublinha Vítor Aleixo, adiantando que foi apresentada a candidatura dos banhos islâmicos a património de interesse nacional.

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