Maioria dos portuenses vive a menos de 400 metros de um canteiro ou de uma praça cimentada

Ainda que nos congratulemos por cada rua arborizada ou canteiro nas ruas do Porto, estes espaços estão longe de ser uma efectiva área verde pública de proximidade.

Em resposta às crescentes reivindicações da população para que a cidade do Porto tenha mais espaços verdes de qualidade e mais bem distribuídos, a Câmara Municipal do Porto (CMP) tem vindo a comunicar os seus esforços para que todos os portuenses tenham acesso a áreas verdes de proximidade. O vereador do Ambiente chegou mesmo a dizer que mais de 75% da população vive a uma distância inferior a 400 metros de um espaço verde. Uma vez que os movimentos de contestação popular continuam a proliferar, estas declarações fazem-nos questionar: que espaços verdes são estes afinal?

Porque a proximidade importa

Quem palmilha regularmente a cidade terá dificuldade em acreditar que se encontra a cinco minutos de distância a pé de um espaço verde. Para percebermos os desafios desta equação consultámos a actual carta de estrutura ecológica municipal que faz um retrato destas áreas verdes, incluindo públicas e privadas. No entanto, esta carta não olha às características e dimensões de cada um destes espaços, seja do ponto de vista ambiental seja das possibilidades de usufruição que oferece à população.

Encontramos áreas verdes públicas como a escadaria da estação do metro Carolina Michaëlis, a Praça do Conde de Samodães ou o Largo de S. Dinis. Ainda que nos congratulemos por cada rua arborizada ou canteiro nas ruas do Porto, estes espaços estão longe de ser uma efectiva área verde pública de proximidade.

A confusão entre praças e jardins também parece ser frequente. Esclarece-nos o art. 66.º do Plano Director Municipal (PDM) que um jardim deve ter um “coberto vegetal superior a 50%”. A distinção entre esses dois conceitos não é meramente figurativa, ela ilustra funções e qualidades ecológicas diferentes. O uso abusivo desta comparação justificou, por exemplo, a escolha da CMP em prescindir de uma área verde para os terrenos ferroviários da Boavista por estes se encontrarem próximos da praça Mouzinho de Albuquerque, que não configura um jardim.

O acesso a um espaço verde parece ser privilégio só de alguns

Há decisores municipais que têm vindo defender que o acesso a espaços verdes públicos não será facilitado para quem vive “nas zonas bem servidas por infra-estruturas de transporte colectivo” (como a Boavista/Trindade/Centro), uma vez que “o PDM defende a densidade urbana” para estes locais. Esta visão poderia justificar melhorar as políticas habitacionais ou reconverter espaços construídos em habitação, como o Silo-Auto ou os imensos centros comerciais inactivos. Mas o que acontece não é isso. À revelia dos protestos da população, no Porto continua a autorizar-se nova construção nos raros espaços livres e permeáveis da cidade, tais como na área protegida da UOPG8 da Lapa, nos terrenos ferroviários da Boavista ou nos logradouros junto à Praça D. João I, para construção de hotéis, centros comerciais e parques de estacionamento.

A ideia de aumentar as áreas verdes trocada em miúdos

Congratulamo-nos pelas diversas iniciativas camarárias em curso para requalificar alguns espaços verdes do Porto. No entanto, é importante perceber que isso não significa o aumento das áreas verdes mas sim a reabilitação de espaços verdes já existentes. É o caso, nomeadamente, das intervenções no parque de São Roque ou na zona da ribeira da Asprela. Estas iniciativas são louváveis e bem necessárias, tornando estes espaços mais cómodos e seguros para fruição pública. No entanto, notemos que antes destas intervenções, estes locais já tinham uma estrutura arbórea e ampla área permeável.

No caso do prometido parque urbano da Lapa assistimos mesmo a uma redução da área livre original. Este parque, projectado para 18.600 m², estava originalmente inserido num terreno extenso que integrava a zona “de protecção de recursos naturais” da antiga UOPG8-Bouça e que foi agora reduzida para construção de um hotel.

Também, os espaços verdes reabilitados estão longe de compensar a sobre-construção dos poucos terrenos livres da cidade que se impermeabilizam a ritmo alucinante. Falamos por exemplo da cimentação de espaços verdes potenciais como os terrenos públicos ferroviários da Boavista, a Charca de Salgueiros ou o antigo quartel Monte Pedral. Também assistimos ao desaparecimento dos célebres logradouros, que vão sendo convertidos em anexos, garagens e pátios, sob pretexto de um “restauro”. E, infelizmente, a cidade também não foi poupada à destruição de jardins consolidados e árvores em pleno estado de maturação. É o caso dos ataques ecológicos que decorrem no Jardim de Sophia, Jardim do Carregal ou Parque de Serralves.

A proximidade a uma distância a pé de um espaço verde de qualidade, que permita tranquilidade, ouvir pássaros e ver árvores, é a única forma de garantir que toda a população, incluindo os mais velhos, crianças e pessoas com mobilidade condicionada, possa usufruir facilmente desta oportunidade, independentemente do sítio da cidade onde viva.

Enquanto a visão de cidade veiculada nas decisões urbanísticas municipais não entender o valor social, ambiental e económico dos espaços verdes e da biodiversidade em contexto urbano, continuaremos a ver potenciais ou reais jardins darem lugar a mais construção, a pretexto de um qualquer investimento que surge sempre como mais oportuno do que o da qualidade ambiental da nossa cidade.

Carolina Silva, estudante de Arquitectura Paisagista; Daniela Pinto Pugh, arquitecta paisagista; Orlando Gilberto-Castro, arquitecto; Paula Sequeiros, socióloga; e Sofia Maia Silva, socióloga

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