Eunice Muñoz: dizer adeus a uma grande actriz

Numa última homenagem à qual compareceram colegas de profissão, os mais altos representantes do Estado, e também uma multidão de amigos ou simples admiradores, talvez tenha sido uma vizinha da actriz, Isabel Couto, quem melhor sintetizou o espírito desta despedida: “O palco ficou vazio na sexta-feira”.

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“Uma grande senhora”, “uma actriz enorme”, ou “a diva do teatro” foram algumas das expressões mais repetidas por admiradores de Eunice Muñoz na Basílica da Estrela, em Lisboa, esta terça-feira à tarde, antes da saída do funeral para o cemitério do Alto de S. João.

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“Uma grande senhora”, “uma actriz enorme”, ou “a diva do teatro” foram algumas das expressões mais repetidas por admiradores de Eunice Muñoz na Basílica da Estrela, em Lisboa, esta terça-feira à tarde, antes da saída do funeral para o cemitério do Alto de S. João.

Os actores Maria Rueff, Luís Alberto, Virgílio Castelo, José Raposo e Rita Blanco contaram-se entre os profissionais que prestaram uma última homenagem a Eunice Muñoz, que morreu na passada sexta-feira aos 93 anos.

Rita Blanco sublinhou a “sorte de todos” por ter havido uma actriz que trabalhou desde os cinco anos de idade, na companhia dos pais, até aos 93 anos. Mas talvez tenha sido uma vizinha de Eunice Muñoz quem melhor sintetizou o sentimento geral vivido nesta despedida: “O palco ficou vazio na sexta-feira”, afirmou Isabel Couto, residente em Paço de Arcos. “Morava relativamente perto de mim e, além de uma enorme actriz, era um amor de pessoa”.

Admiradora confessa de teatro, que começou a ver no Teatro Nacional D. Maria II, aos quatro anos, acompanhada pelo pai, Isabel Couto disse só ter “maravilhas” a dizer de Eunice Muñoz. “Era o expoente máximo do teatro em Portugal”, considerou.

Apesar de se recordar do desempenho “fabuloso” de Palmira Bastos na peça As Árvores Morrem de Pé, e de ter “gostado imenso” da interpretação de Manuela Maria, na mesma peça, no Politeama, em 2016, lamenta que a saúde de Eunice Muñoz não lhe tenha permitido protagonizar a obra, como fora inicialmente anunciado por Filipe La Féria. Mas congratula-se por Eunice Muñoz ter sido homenageada em vida.

Quanto a Chaquira Patrocínio, natural e residente na Amareleja – onde Eunice nasceu, no dia 30 de Julho de 1928 –​, deslocou-se de propósito a Lisboa para se despedir da “amiga”, com quem conviveu “quando era muito jovem”, e que, assegurou à Lusa, não mais esquecerá. “A minha mãe, que morreu há 7 meses, tinha 92 anos, menos um que Eunice. Convivi muito com ela, quando era pequena, e não mais a esquecerei”, disse. “É eterna na Amareleja e em todo o lado” e “sempre foi maravilhosa em tudo”, rematou Chaquira Patrocínio.

“Era uma admiradora do trabalho de Eunice Muñoz, já ontem [segunda-feira] vim ao velório, e hoje venho aqui à última despedida. Saí agora do trabalho, só consegui chegar agora”, disse à agência Lusa Sandra Rodrigues, admiradora confessa de Eunice Muñoz e do seu trabalho em televisão. Sandra Rodrigues nunca assistiu a qualquer peça de teatro com Eunice Muñoz. Admira-a pelo que conhecia de telenovelas e séries filmadas, sobretudo. “Uma boa actriz, uma óptima actriz”, “uma das maiores de que me lembre”, acrescentou, sublinhando que a sua mãe é que “ia mais ao teatro ver as peças em que Eunice entrava”.

“Em Portugal só temos duas divas: Amália, no Fado, e Eunice Muñoz, no teatro”, enfatizou por seu lado Ana Maria, residente em Lisboa. “Eunice Muñoz ficou-me no coração, sobretudo quando vi Mãe Coragem e os Seus Filhos, em Lisboa. “Acho que tanto naquela personagem, como na vida real, ela era de facto, uma grande mãe coragem”, frisou.

A Banqueira do Povo, no papel de D. Branca, na televisão, e em A Casa do Lago, no teatro, são, para Ana Maria, “entre muitos outros, desempenhos inesquecíveis da actriz”.

Ao mesmo tempo que alguns admiradores exaltavam as suas qualidades, outros mostravam tristeza por “haver tão pouca gente junto da Basílica da Estrela”, nada que se comparasse aos funerais de Amália, em 1999, e de Nicolau Breyner, em 2016. “Acho que está aqui muito pouca gente para o que Eunice Muñoz merecia, e isso revolta-me. Merecia tudo, e merecia muito mais gente aqui a agradecer-lhe por todo o que deu ao país e ao mundo”, disse uma mulher que preferiu manter o anonimato, secundada pelo marido, que também optou por não se identificar.

“Tivemos uma actriz que, provavelmente, muito poucas pessoas no mundo terão tido”, uma profissional com uma vida “cheiíssima”, que “nos deixou este legado todo”, disse Rita Blanco à imprensa. Embora “não goste de participar em nada”, frisou que jamais lhe passaria pela cabeça não se deslocar àquele local “para agradecer tanta felicidade” que Eunice “nos deu e vai continuar a dar”. Fã de Eunice desde pequena, quando ainda nem sabia quem era a actriz, Rita Blanco conta: “Havia um disco em minha casa, A Menina do Mar, e eu era totalmente fascinada por ele, ouvia-o constantemente. E só muitos anos mais tarde é que vi que era contado pela Eunice”. Uma história de que nunca chegou a falar à actriz, que hoje vê como “um marco importantíssimo na vida da cultura portuguesa”.

Sustentando que a melhor homenagem que os portugueses podem continuar a prestar à actriz é “fazer teatro e amar as coisas da cultura do nosso povo”, Rita Blanco diz ainda esperar e acreditar que Eunice vá para o Panteão Nacional. “Viveu estes anos todos para a cultura portuguesa. E mais: foi amada pelo povo português, pelo que não há outro sítio para ela que não seja o Panteão”, concluiu.

Na missa de corpo presente, onde estiveram o Presidente da República, o primeiro-ministro, António Costa, o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, e Manuela Ramalho Eanes, o padre começou por dizer que a homilia era para “celebrar a vida” e o amor por que sempre se pautou a “Sr.ª D. Eunice”, lembrou depois que a actriz recebeu algumas das mais altas condecorações nacionais, e que fora “D. Amélia Rey Colaço” quem lhe avaliara a “genialidade”. Juízo que o padre vê confirmado nas “mais de 150 obras a que D. Eunice emprestou a pele e que falam por si”.

“António [Muñoz, filho de Eunice] contou-me que a mãe era aquela pessoa que as pessoas imaginavam que ela era”, acrescentou o padre. “E não há nenhum português que não a conheça e não goste dela”. Os actores são “artesãos da humanidade e da eternidade”, que nos “representam-nos não por mandato, mas por vocação, e a Sr.ª D. Eunice fê-lo de sobremaneira”, disse ainda, observando que Eunice significa “vitoriosa” e é “um nome que lhe assenta bem”.

Um mar de coroas de flores inundava tanto a capela exequial da Basílica da Estrela, onde o corpo de Eunice Muñoz esteve a ser velado desde as 17h00 de segunda-feira, como também as áreas adjacentes.

Passava já das 16h00 desta terça-feira quando o caixão com o corpo da atriz, coberto pela bandeira portuguesa, saiu da Basílica da Estrela, terminada a missa de corpo presente. Lado a lado, o Presidente da República e o primeiro-ministro aguardaram a saída da urna, rumo ao cemitério do Alto de S. João, onde teria lugar a cremação. Uma forte salva de palmas e saudações como “viva Eunice!”, “grande actriz” e “grande mulher” acompanharam a partida.