Falta de comunicação entre as tropas estrangeiras em Cabo Delgado

Apesar de a União Africana olhar para o destacamento da SADC como parte da sua Força Africana de Reserva, verificam-se falhas de coordenação entre as duas instituições.

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A força ruandesa em Cabo Delgado é actualmente de dois mil soldados JEAN BIZIMANA/Reuters

Uma investigação do Instituto para Estudos de Segurança (ISS) sul-africano refere a existência de “divisões profundas” entre as tropas estrangeiras em Moçambique, com “pouca comunicação” entre a União Africana (UA) e a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), que tem uma missão militar em Cabo Delgado de 3 mil homens, e entre a organização africana e o Ruanda, que combate os jihadistas com um contingente de 2 mil soldados.

“O destacamento da SADC [SAMIM - Missão da SADC em Moçambique] é assinalado em documentos oficiais da UA como parte da sua Força Africana de Reserva. Mas até agora tem havido pouca comunicação entre a SADC e a UA a este respeito”, sublinha o estudo assinado por Liesl Louw-Vaudran, investigadora principal do ISS.

A UA considera a SAMIM como uma das primeiras missões da Força Africana de Reserva, o que implicaria um grau de coordenação que no caso de Moçambique não está a acontecer.

A SADC “também não teve discussões de alto nível com o Ruanda sobre a sua presença em Cabo Delgado”, acrescenta a investigadora.

Apesar dos bons resultados alcançados na libertação de muitos municípios que estavam nas mãos dos insurgentes desde que as tropas estrangeiras começaram a chegar a Moçambique, em meados do ano passado, a verdade é que, diz o estudo, “estratégias conjuntas com forças de segurança que puxem na mesma direcção conduziriam a um muito melhor resultado”, refere o estudo citado pela Lusa.

Com uma certa paz a regressar a Mocímboa da Praia e a Palma, municípios importantes para alcançar as condições exigidas pela multinacional francesa Total para retomar os seus trabalhos para a exploração de gás natural na Baía do Rovuma, tanto o ISS como a o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados continuam a achar “prematuro encorajar as pessoas deslocadas a regressar às suas casas”.

Segundo Liesl Louw-Vaudran, o Ruanda acredita que erradicar o terrorismo na província do norte de Moçambique “é vital para a sua própria segurança”, mas as “tensões entre a SADC e o Ruanda”, que remontam a divergências sobre os resultados eleitorais na República Democrática do Congo, no início de 2019, “persistem”.

Segundo o jornal online sul-africano Daily Maverick, a SADC continua a manter com a UA uma relação de desconfiança, mas a necessidade de fundos para financiar a sua missão militar na província nortenha moçambicana obrigou-a a uma aproximação à organização com sede em Adis Abeba, mas evocando o princípio da subsidiariedade, o que neste caso quer dizer que a SADC é quem manda em termos de segurança.

No passado dia 3 de Abril, os ministros do Órgão de Cooperação nas Áreas de Política, Defesa e Segurança reuniram-se em Pretória, capital sul-africana, para discutir a missão com os representantes dos países que mais contribuem com soldados para a missão em Moçambique. Tudo aponta para que os chefes de Estado ratifiquem a decisão de prolongar a SAMIM por mais três meses na cimeira de 15 de Julho.

O chefe da missão da SADC, o botswano Mpho Molomo, assegurou “que as tropas da missão e as forças ruandesas estão a coordenar-se no terreno”, no entanto, Louw-Vaudran refere que “não houve conversações políticas de alto nível entre chefes de Estado dos países em questão”.

Depois de receber 2 milhões de euros da União Europeia no princípio deste mês, através do Mecanismo de Resposta Rápida da UA, a SADC espera agora ter acesso ao Fundo da Paz da organização africana, de mais de 230 milhões de dólares provenientes das contribuições dos Estados africanos.

“A UA poderia ajudar que as ‘soluções africanas’ para Moçambique têm êxito. Tem experiência neste âmbito e a maioria das suas resoluções sublinham a necessidade de lidar com as questões que conduzem ao extremismo violento”, escreve Liesl Louw-Vaudran. “No entanto, os Estados-membros raramente aderem a estas políticas e vêem na coordenação entre as comunidades regionais (como a SADC) e a UA um obstáculo mais do que um benefício”.

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