Carta aberta contra condecoração de general Spínola: “Representaria uma afronta”

Um conjunto de personalidades de diversas áreas da sociedade civil lançou uma carta aberta contra a intenção do Presidente de condecorar o general António de Spínola com a Ordem da Liberdade e pede a Marcelo Rebelo de Sousa que reconsidere a decisão.

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António de Spínola morreu em 1996 LUIZ CARVALHO/ARQUIVO
Marcelo Rebelo de Sousa decidiu alargar as condecorações a todos os membros da Junta de Salvação Nacional
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Marcelo Rebelo de Sousa decidiu alargar as condecorações a todos os membros da Junta de Salvação Nacional LUSA/SÉRGIO AZENHA

A intenção de o Presidente da República de condecorar todos os membros da Junta de Salvação Nacional, ​noticiada sábado pelo PÚBLICO no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, não foi bem recebida por mais de 30 personalidades. Em causa está a condecoração a título póstumo com a Ordem da Liberdade o general António de Spínola.

Entre os subscritores estão nomes como Fernando Rosas, historiador e ex-preso político, Boaventura de Sousa Santos, professor jubilado da Faculdade de Economia de Coimbra, Carlos Brito, constituinte e ex-líder parlamentar do PCP, Domingos Lopes, jurista, Manuel Loff, historiador, a dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Guadalupe Simões, a presidente da APRe!, Maria do Rosário Gama, o ex-líder do BE, Francisco Louçã e os professores universitários Rui Vieira Nery, José Reis, Miguel Vale de Almeida e Elísio Estanque.

Na carta a que o PÚBLICO teve acesso, o grupo recorda que “logo após a queda da ditadura no dia 25 de Abril, Spínola coloca entraves na libertação de todos os presos políticos, manifesta a vontade de manter a PIDE em funções e coloca reservas ao fim da guerra colonial”.

O mesmo documento lembra que enquanto Presidente da República, António de Spínola “enxovalhou publicamente” o seu primeiro-ministro, apelando “à manifestação da maioria silenciosa, dando origem à tentativa de subversão da legalidade revolucionária vigente em 28 de Setembro”.

Depois disso, prosseguem os signatários, Spínola conspirou “para derrubar o governo promovendo para o efeito a tentativa de golpe do 11 de Março, com o RALIS a ser metralhado [a 11 de Março de 1975, tropas pára-quedistas ligadas ao general Spínola, atacaram o Regimento de Artilharia Ligeira (RAL1]”, continua a carta.

“Gorada esta tentativa foge para Espanha e cria o MDLP, principal organização que irá estar presente no Verão Quente de 1975, em que foram incendiadas e destruídas sedes de partidos políticos, em que foram perseguidos, agredidos e mortos militantes de partidos de esquerda, em que parte do país esteve a ferro e fogo durante alguns meses”, lê-se.

Para o grupo de historiadores e constitucionalistas, “o general Spínola foi a personalidade mais perturbadora” do esforço de consolidação da democracia depois de 48 anos de ditadura, “tendo inclusivamente recorrido a métodos violentos para repor a ordem derrubada em 25 de Abril”.

“Por estas razões, porque a atribuição da Ordem da Liberdade a este militar representaria uma afronta ao espírito desta honra”, conclui a carta. Os signatários apelam por isso a Marcelo Rebelo de Sousa que reconsidera atribuir “tão alta distinção a quem não se mostrou digno dela ao não estar à altura da confiança que os seus camaradas e os portugueses colocaram na sua pessoa”.

Eis a lista signatários original:

Adelino Granja (jurista), André Barata (professor universitário), António Avelãs (professor), Bruno Maia (médico), Boaventura de Sousa Santos (professor jubilado da Faculdade de Economia de Coimbra), Carlos Brito (deputado Constituinte e antigo deputado da Assembleia da República), Carlos Trindade (sindicalista socialista da CGTP-IN), Cipriano Justo (professor universitário), Domingo Lopes (jurista), Elísio Estanque (professor universitário), Fernando Nunes Vicente (professor universitário), Fernando Rosas (historiador), Florival Lança (antigo dirigente sindical), Francisco Louçã (professor universitário), Guadalupe Simões (sindicalista), Guilherme da Fonseca-Statter (investigador), Hélder Costa (dramaturgo, encenador), Jaime Mendes (médico), Joana Amaral Dias (psicóloga), João Bau (investigador), José Manuel Boavida (médico), José Maria Castro Caldas (economista), José Reis (professor universitário, Luís Natal Marques (gestor público), Luísa Branco Vicente (psiquiatra e pedopsiquiatra), Manuel Loff (historiador), Maria do Rosário Gama (professora aposentada), Mário Jorge Neves (médico, antigo presidente da FNAM), Miguel Vale de Almeida (antropólogo), Paulo Fidalgo (médico), Rui Vieira Nery (musicólogo e professor universitário), Teresa Dias Coelho (artista plástica), Zeferino Coelho (editor)

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