O unboxing mais bem contado do século

Através de uma história bem contada, a recém-julgada Elizabeth Holmes conseguiu convencer (quase) o mundo inteiro de que tinha inventado uma máquina que fazia mais de 400 testes de diagnóstico médico com apenas uma gota de sangue.

Foto
Elizabeth Holmes Reuters/Brendan McDermid

O acto de contar histórias pode desbloquear montanhas inamovíveis pelo tempo. Storytelling, para os anglo-saxónicos. A comunicação de ciência já aprendeu há muito que esta é das melhores estratégias para ensinar jovens estudantes a comer equações ao pequeno-almoço. A forma como envolvemos emocionalmente o nosso interlocutor é a chave para lhe obter a resposta atenta de que tanto precisamos... mesmo que estejamos a pregar a utilidade da fórmula resolvente para aceder ao mercado de trabalho.

E porque é que gostamos tanto de uma história bem contada? Nenhuma literatura me deu tanta clareza de espírito nesta pergunta como o que Dostoiévski disse sobre jogar a dinheiro. Porque é que as pessoas insistem em jogar? Simples. As pessoas detestam abdicar de possibilidades infinitas. E mais do que uma boa resposta para o número de raspadinhas vendidas em Portugal, o que podemos aprender com isto? Ao jogar, tal como ao ouvir uma história, ficamos sedentos pela descarga de adrenalina do acontecimento imprevisto. Mas não expliquem isto pela bioquímica que nos ilude nesta resposta. Falem do absurdo erotismo que o toque imprevisto do vosso desejo vos provoca. Dinheiro, humanos ou objectos: é apenas adrenalina.

Mas a pedagogia sobre o benefício de contar histórias deve ir além do desejo de querer aprender. Que se centre pela arma de influência em massa que encarna. Exemplifico. Através de uma história bem contada, a recém-julgada Elizabeth Holmes conseguiu convencer (quase) o mundo inteiro de que tinha inventado uma máquina que fazia mais de 400 testes de diagnóstico médico com apenas uma gota de sangue. A ideia era tão boa que ganhou cerca de dez mil milhões de euros com isso. Havia só um problema. Nunca houve uma máquina (que funcionasse). Apenas uma história. Que enganou investidores, causou centenas de diagnósticos falsos a pessoas saudáveis e originou uma série de TV. Tudo porque Holmes conseguiu ser a melhor vendedora de “coca-colas no deserto”: fez todos acreditar que viviam no Sara.

Mas Holmes apenas fez um exercício de história alternativa. Criou um cenário antagónico da realidade e construiu um registo onde explicou as (boas) ramificações dessa nova história. Como se a sua máquina já fosse realidade. Ela apenas deu voz a como a história alternativa se pode apresentar como uma ferramenta de investigação (ou de persuasão), analisando “o que poderia ter sido”, esclarecendo as razões pelas quais não o foi. Ela inventou, sim, porventura, o conceito viral do unboxing. Criou a necessidade “freudiana” de abrir o link, de olhar para a sua caixa e fazer acreditar que o impossível já era certo. Era a sua/nossa realidade. E é por isso que antes de querermos ser bons contadores de histórias, devemos saber escutá-las. Para além de ser uma excelente arma empática, é o nosso melhor polígrafo.

Não vos convenci? Eis o segundo exemplo. Há dois meses, uma pessoa influente criou um ponto de divergência no registo histórico, provocando uma alteração que modifica por completo a história conhecida. E fez um exercício teórico das ramificações da sua alteração, como justificação para partir para a aula prática. Explicou tão bem a sua história alternativa que foram muitos os que viram o unboxing até ao fim. Tal como qualquer momento viral, sugou a crítica carnal e preencheu o vazio com infinitas possibilidades. Mal dos que acreditam sem escutar, mas também dos que escutaram e ignoraram. E, tal como uma boa história contada, esta está para durar.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários