Os processos ecológicos e a extensão rural como resposta à seca

As projeções climáticas para toda a região do Mediterrâneo são preocupantes e deviam ter consequências imediatas nas políticas públicas de ambiente e ordenamento do território.

Segundo dados do IPMA, o mês de fevereiro terminou com 66% do território em seca extrema e todo o país numa situação de seca meteorológica. A meados de março, três quartos do território continuaram em seca extrema ou severa. Entre outubro de 2021 e o dia 15 de março, registou-se o período mais seco desde 1931 nesta época do ano, tendo havido alguma recuperação apenas no final do mês, com descida para 16% do território com seca severa. Entre 2000 e 2020 houve sete anos com reduções de precipitação superiores a 30% da normal (1971-2000) e as opções do Governo continuam a não enfrentar o problema.

Os dias que vivemos são alarmantes, mas as recentes projeções climáticas divulgadas pelo IPCC para toda a região do Mediterrâneo, onde Portugal se inscreve, ainda são mais e deviam ter consequências imediatas nas políticas públicas de ambiente e ordenamento do território. Segundo os especialistas deste painel da ONU, as secas que sofremos atualmente em consequência das alterações climáticas são classificadas de “impacto moderado” e, mesmo as projeções mais otimistas que possibilitam cumprir o Acordo de Paris, limitando o aquecimento global abaixo dos 2ºC, apontam para um forte agravamento dos impactos da seca, com passagem da classificação de risco e impacto de moderado para elevado já em 2050. Temos por isso muito pouco tempo para preparar o país para esta realidade.

Além da escassez de água, também os recursos necessários à adaptação do território e das atividades socioeconómicas às alterações climáticas são escassos para tamanha urgência. É por isso necessário, em primeiro lugar, identificar necessidades e definir prioridades de forma informada, participativa e transparente. Só assim a alocação de dinheiros públicos e a gestão dos recursos naturais do país poderão responder ao interesse público. Infelizmente, este não tem sido o caminho escolhido pelos sucessivos governos no que diz respeito à gestão da água, em especial do regadio, responsável por 75% do consumo nacional de água.

Perante o novo clima, é preciso adaptar os ecossistemas agrários para proteger a sua capacidade produtiva de bens alimentares e serviços essenciais ao sustento do território e das populações locais. No caso do acentuar da escassez de água, a resposta da política pública deve combinar duas dimensões complementares que dependem do acesso e incorporação de conhecimento: 1) aumento da eficiência do uso da água de rega; 2) adaptação dos sistemas de produção agrícolas, florestais e pecuários ao novo clima através do recurso a processos ecológicos que permitam influenciar o ciclo da água e a resiliência natural dos sistemas de produção à seca.

Neste caminho a aplicação de meios públicos (naturais, financeiros, técnicos e operacionais) tem de seguir critérios que respondam ao interesse público, desde logo, ao nível ambiental e da equidade social e territorial. Ao contrário, em promiscuidade com os interesses fundiários, do grande agronegócio e da finança, o Governo despejou os meios públicos a sul do Tejo, decidindo pelo favorecimento de grandes proprietários locais e de negócios extrativistas em monocultura, destruidores de recursos naturais e com baixa produtividade da água, como decorre no caso do Alqueva e do Perímetro de Rega do Mira. A recondução de Maria do Céu Antunes a ministra da Agricultura é um sinal de continuidade desta política desastrosa, de delapidação de bens públicos e agravamento da vulnerabilidade de muitos territórios aos eventos extremos meteorológicos e seus impactos.

Em alternativa, é preciso priorizar as respostas suportadas por processos ecológicos que possibilitam escalar a resiliência dos sistemas rurais e das várias agriculturas como um todo, intervindo ao nível exploração agrícola e da paisagem, garantindo a sua heterogeneidade. Para tal é essencial a construção de serviços de extensão rural que permitam incorporar conhecimento e monitorizar atividades.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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