Jornal do Algarve — 65 anos a remar contra a maré do centralismo

A fama de riqueza, de que goza o Algarve pela via do turismo, traduz-se, em sentido contrário, na pobreza do investimento publicitário na imprensa.

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Jornal nasceu há 65 anos

Numa cidade ultraperiférica, nasceu um jornal há precisamente 65 anos que seria uma referência na oposição ao regime que então se vivia. O Jornal do Algarve, editado em Vila Real de St.º António, continua, como sucede à generalidade da imprensa, a remar contra a maré para sobreviver e não se deixar submergir na onda do centralismo noticioso. “Andamos a viver aos soluços”, diz a directora Luísa Travassos, referindo-se à situação financeira da empresa face aos cortes nas receitas publicitárias. “Tivemos cortes de 40% e 60% nos anúncios vindos das câmaras”. Por outro lado, a imprensa faz eco da implantação de grandes empreendedores do sector imobiliário/turístico mas os proveitos não chegam às páginas dos jornais

Em dia de aniversário, o jornal recorda as “causas” em que se envolveu para combater o isolamento de uma região atirada para lá da cortina da serra do Caldeirão. O semanário fundado por José Barão, então repórter do diário O Século, foi um dos combatentes ao salazarismo. A par de outros títulos, tais como o Jornal do Fundão ou o Comércio do Funchal (jornal “Cor-de-Rosa” da Madeira), o jornalista criou, no Algarve, um espaço para quem não se conformava com o regime dominante. Pelas páginas do semanário passaram jornalistas como Mário Zambujal, Torcato da Luz, Encarnação Viegas ou Carlos Albino, que continua a assinar uma crónica semanal. As memórias do passado, garante Luísa Travassos, são “um património a preservar”. Agora, diz, também em formato digital porque o semanário publica, igualmente, uma edição diária online. O quadro do pessoal é formado por sete pessoas.

O jornal foi criado a partir do “entusiasmo” do seu primeiro director e de um grupo de comerciantes. “Nasceu numa terra ultraperiférica [Vila Real de Stº António] mas rapidamente assumiu uma dimensão regional”. À época, recorde-se, só uma pequena faixa do litoral algarvio beneficiava da energia eléctrica. Do interior, quase inacessível pela falta de estradas, conhecia-se o “tipicismo” difundido pelo Estado Novo e pouco mais. Porém, José Barão lança no jornal, em 1960, a “Operação Algarve Turismo”. A inauguração do Hotel Vasco da Gama, em Monte Gordo, nesse ano, foi um dos reflexos dessa campanha. O provincianismo, com todo o seu esplendor propagandístico, fazia escola de norte a sul do país mas os ingleses já tinham descoberto Albufeira. Cinco anos depois abria o aeroporto internacional de Faro e a economia ganha asas com um crescimento desenfreado em direcção ao mar.

O que regrediu, aponta Luísa Travassos, foi a importância que os poderes públicos dão à imprensa.“Faro não tem um jornal”, observa, lamentando a “falta de apoios deste e de outros municípios”. Durante a fase da pandemia, prossegue, “a imprensa regional recebeu uma ínfima fatia do orçamento destinado a apoiar os órgãos da comunicação social”. Passada a fase das campanhas de sensibilização à população, “saiu uma recomendação da administração central às câmaras, no mesmo sentido, mas alguns municípios ignoraram”.

O destaque da capa desta edição especial, que incluiu o habitual magazine semanal, vai para uma entrevista à docente da Universidade do Algarve, Deborah Power, investigadora do Centro de Ciências do Mar (CCMAR) e recentemente eleita membro correspondente estrangeiro da Academia Real da Ciência e Arte de Barcelona. A directora, em declarações ao PÚBLICO, reafirmou uma das “bandeiras”, defendidas pelo jornal: “O Algarve espera para construção do novo Hospital Central — lamentável”.

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