Os zoos na Ucrânia sobrevivem sem retirar os animais, mesmo nas cidades bombardeadas

Há jardins zoológicos ucranianos a pedir “corredores verdes” para transportar animais e comida, mas a maior parte decidiu ficar e cuidar dos animais em cativeiro no sítio onde vivem — mesmo nas cidades que estão a ser bombardeadas.

Foto
REUTERS/GLEB GARANICH Trantin Kirill, director do zoo, a alimentar Khoras, um elefante macho com 17 anos

Para muitos jardins zoológicos na Ucrânia, os perigos de realojar os animais ultrapassam os riscos de os manter nos espaços onde viviam, antes de a guerra no país começar. O director do zoo de Odessa, cidade nas margens do mar Negro que se mantém à margem dos conflitos, garante que “quase ninguém da equipa” de tratadores saiu da cidade e que estão “prontos para salvar os animais em qualquer situação”. “Se fazemos tudo o que podes pelo bem-estar dos animais, então precisamos de os salvar aqui”, escreveu Igor Beliakov, no início da semana, no Facebook.

O zoo, que fechou portas a 25 de Fevereiro, está a aceitar receber os animais de companhia de pessoas que deixaram a cidade – especialmente répteis, aves e roedores. Já tratam de “400 animais”, dizem, num comunicado publicado a 16 de Março.

Segundo a Associação Europeia de Zoológicos e Aquários (EAZA, na sigla em inglês), a “situação nos zoos ucranianos continua a ser extremamente desafiante”. A organização internacional diz que há pedidos específicos para transportar animais para cidades mais seguras, ou até para outros países, mas a maior parte dos estabelecimentos continua com equipas e animais no local.

relatos de grandes felinos que foram transportados para zoos na Polónia, numa viagem “que não é possível para muitas espécies”, escreve uma especialista em bem-estar dos animais em zoos, no The Conversation. “Pôr animais altamente stressados em jaulas e transportá-los por zonas de conflito barulhentas e complicadas pode causar doenças graves ou até morte, para além do perigo de serem atingidos”, escreve Samantha Ward, da Universidade Nottingham Trent.

O zoo de Mikolaiv, cidade que está a funcionar como barreira de defesa de Odessa, está a operar “em regime de guerra”, escreveu no Facebook o director, Volodimir Topchii. O zoo está fechado, mas pediu que as pessoas comprassem bilhetes online para terem alguma forma de financiamento. Um bilhete pode custar entre os 77 cêntimos e os três euros. Muitos bilhetes esgotaram.

A especialista Samantha Ward lembra que não existe investigação sobre o impacto das explosões que se ouvem e vêem próximas do zoo de Nikolaev, do Jardim Zoológico de Kiev ou do de Kharkiv (Carcóvia). Mas não considera despropositado invocar um estudo de 2019 que mostra como os elefantes, girafas e emas reagiram com agitação às obras no zoo – muito mais silenciosas do que as sirenes e explosões que obrigaram os tratadores do zoo da capital ucraniana a sedar os animais e a levá-los para espaços subterrâneos. O zoo de Kiev é a casa de mais de 4000 criaturas de 200 espécies, incluído o único gorila na Ucrânia, noticia a Associated Press.

No artigo publicado no The Conversation, um site sem fins lucrativos em que as notícias são escritas pelos próprios investigadores, a investigadora e consultora Samantha Ward retira “algumas lições úteis” do zoo de Londres, que “sobreviveu a duas guerras mundiais”.

No mesmo dia em que começou a Segunda Guerra Mundial, a 3 de Setembro de 1939, o Governo inglês ordenou o fecho do zoo. A Sociedade Zoológica de Londres “já se estava a preparar” para essa decisão e terá transportado “dois pandas-gigantes, dois orangotangos, quatro chimpanzés, três elefantes-asiáticos e uma avestruz” para o zoológico de Whipsnade, propriedade da mesma sociedade, instalado numa cidade mais segura, fora de Londres.

Terá sido uma decisão difícil, conta, “mas, para manter a segurança” caso escapassem, a equipa decidiu matar alguns dos animais venenosos. O zoo começou a criar as próprias minhocas, que serviram de alimentação a algumas espécies. Através de pedidos difundidos na rádio, o público doou “cerca de uma tonelada” de bens alimentares para animais por semana. Também tornaram possível “adoptar” alguns animais, num regime semelhante ao apadrinhamento, que continua a existir em algumas destas instituições.

A EAZA criou um fundo de apoio para os zoos ucranianos sobreviverem à fase de emergência, mas também para uma fase posterior de recuperação. Alguns dos donativos, que ultrapassam o meio milhão de euros, chegaram de outros zoos em França, na Alemanha, Dinamarca, Reino Unido, Japão e Estados Unidos da América.

Sugerir correcção
Comentar