O ambiente e o futuro programa de governo

Gostaríamos que o Ministério do Ambiente no XXIII Governo Constitucional se dedique, primeiro que tudo, ao ambiente, que olhe o território como um sistema integrado, que tenha força política, vontade e capacidade de intervir, incorporar e, quando necessário, infletir decisões.

Os programas eleitorais apresentados em janeiro foram parcos no capítulo da política ambiental. A campanha eleitoral, em particular, foi omissa na discussão destas matérias, onde faits divers (gatos e outros animais de estimação) ocuparam mais tempo de antena do que o futuro do país. Temas como o ambiente, o ordenamento do território, a gestão da água e da biodiversidade estiveram ausentes do debate público, como se não fossem domínios fundamentais para garantir o nosso futuro, como se o amanhã não importasse. Como se a nossa sobrevivência e futuro dependessem apenas do Plano de Recuperação e Resiliência, ou PRR (onde quer que o dinheiro vá ser aplicado) e não da gestão do capital natural e do território em todas as suas componentes!

Mesmo de um ponto de vista meramente antropocêntrico, estes temas deveriam merecer-nos muito mais atenção. Fingir que não somos dependentes das condições biofísicas da Terra é um enorme suicídio e não é necessário ser biólogo para o entender. Mais vejamos: a biodiversidade é um ativo nacional relevante, sendo fundamental para a nossa resiliência como espécie (cuja vulnerabilidade ficou sobejamente documentada pela recente crise pandémica); a água é um elemento fundamental para a nossa sobrevivência biológica, alimentar, económica e social; os ecossistemas – considerados enquanto comunidades de seres vivos que habitam num determinado espaço e interagem entre si de forma estável e equilibrada – fornecem “serviços” que permitem mantermo-nos vivos: oxigénio, solo, água potável, alimentos, entre outros.

Temos observado a diluição do discurso em temas como o clima e a economia circular, com slogans aparentemente mais “modernos”, esquecendo que o clima e a emergência climática não existem em si mesmos, mas são peças de um puzzle mais vasto e que tem de ser considerado como um todo. As alterações climáticas não se combatem no vazio, estão intimamente dependentes da promoção da biodiversidade e da gestão e ordenamento do território, reduzindo a pegada de carbono e os impactos negativos da atividade humana. Por isso, promover políticas que invertam a perda de biodiversidade terá de estar na linha da frente do próximo programa de governo.

A pegada ecológica dos europeus (e dos portugueses em particular) cresce, ano após ano. Cada vez mais cedo esgotamos os recursos que deveríamos utilizar anualmente. Somos, primeiro que tudo, uma população de indivíduos dependente das condições biofísicas do meio ambiente que nos rodeia que, por sua vez, se encontra dependente das comunidades de seres vivos que aí interagem.

Parece que afinal aprendemos pouco com a pandemia. É do futuro que falamos. A economia, a saúde, a política, a cultura e a organização social dependem, em primeira mão, da nossa sobrevivência como espécie.

É por isso que a política pública de ambiente terá de voltar a centrar-se nestas matérias:

  • Preservar a biodiversidade, proteger as espécies endémicas e combater de forma sistemática e organizada as espécies invasoras tem de ser um desígnio do novo programa de governo;
  • Apostar no património natural, não como um bibelot que se exibe nas esferas internacionais, mas como um ativo nacional real e concreto, com programa de investimentos, indicadores de gestão e realização e com uma gestão ativa, presente e responsável das áreas protegidas;
  • Assumir uma discussão descomplexada sobre o futuro da Rede Natura 2000, sobre a proteção e conservação em meio marinho, assim como sobre o futuro da autoridade nacional da conservação da natureza e da biodiversidade e a gestão partilhada dos parques e reservas naturais.

A política de ambiente terá também que se focar no território e, por essa via, trabalhar formas de pagamento dos serviços dos ecossistemas. O Ministério do Ambiente tem de ser capaz de promover um programa consistente e efetivo de avaliação e ressarcimento dos serviços prestados no âmbito do “capital natural” e que não são hoje contabilizados económica e fiscalmente. É urgente fazer esse caminho, compensando quem disponibiliza os seus terrenos e adequa formas de cultivo em prol da conservação da natureza e da preservação da biodiversidade, quem contribui de forma ativa para a proteção da água e do solo. Tal como é urgente desenvolver políticas que promovam, inequivocamente, uma produção alimentar e florestal sustentável, bem como na microgeração permitindo suprir as necessidades energéticas em convivência com a manutenção das paisagens e dos ecossistemas.

Em suma, gostaríamos que o Ministério do Ambiente no XXIII Governo Constitucional se dedique, primeiro que tudo, ao ambiente, que olhe o território como um sistema integrado, que tenha força política, vontade e capacidade de intervir, incorporar e, quando necessário, infletir decisões, nas matérias que são fundamentais para a vida dos portugueses.

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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