Caro PSD

A indefinição ideológica do PSD era aceitável numa democracia menos madura, mas hoje em dia parece ter deixado de sê-lo.

O corpo político de Rui Rio ainda está quente e já aparecem nos jornais candidatos perfilados, putativos candidatos “em reflexão” e futuros candidatos em hibernação. Isso é sempre bom para a ocupação do espaço mediático. Mas se calhar não é assim tão bom para a credibilidade partidária. Eis uma ideia evidente para quem está de fora deste partido: comecem por repensar a identidade ideológica do PSD. Os principais candidatos à sucessão de Rio procuram iludir o problema, mas ele é real.

Tem estado em curso na direita portuguesa uma grande redefinição ideológica e quem a tem operado não parece arrependido. A Iniciativa Liberal construiu o seu sucesso recente com um discurso marcadamente doutrinário, assente em princípios coerentemente liberais e muitas vezes libertaristas, ou seja, mais individualistas e favoráveis ao mercado livre do que a maior parte dos próprios liberais “genéricos”. Assim conquistou uma relevante fatia do eleitorado.

Da mesma forma, o Chega estabeleceu um corte ideológico radical com as direitas tradicionais em Portugal, procurando inspiração e substância em congéneres europeus cujo populismo, nativismo e autoritarismo estão bem estabelecidos. Neste caso, a ideologia pode ser muito simplificadora – e é -, mas nem por isso se revelou menos eficaz, como se notou na demonização da república corrupta, no discurso contra minorias, na defesa da autoridade musculada.

O PSD não é nada disto, nem pode ser. Mas deveria decidir o que quer ser. Note-se que o PSD sempre foi o mais ideologicamente indefinido dos partidos portugueses. Mesmo o outro catch-all party da política portuguesa, o PS, tem uma ideologia perfeitamente definida, filiada na tradição da social-democracia ou socialismo democrático (para além das tradições liberais e republicanas portuguesas), com os respetivos alinhamentos europeus e internacionais. Ou seja, o PS sabe o que é e os eleitores sabem ao que o PS vem – e isso é bom.

Mas o PSD, apesar do nome enxertado no antigo PPD, nunca foi um partido social-democrata e a única “social-democracia à portuguesa” realmente existente é a do PS. Pode dizer-se que o PSD teve influência de ideias da social-democracia, tal como da chamada “doutrina social da igreja”. Pode dizer-se que sempre albergou tendências mais liberais, tal como tendências conservadoras. Mas sempre se manteve um híbrido. Acontece que no atual momento de redefinição ideológica da direita, ao PSD convém decidir-se e autodefinir-se, se quiser ser levado a sério pelo eleitorado.

Acham os militantes “laranjas” que os eleitores portugueses não desconfiam de um partido que num dia é de direita, no dia seguinte de centro-esquerda e dois dias depois de centro, mas sem se saber de qual centro? A indefinição ideológica do PSD era aceitável numa democracia menos madura, mas hoje em dia parece ter deixado de sê-lo. Com certeza que não esperamos que o PSD reclame para si a pureza ideológica dos extremos, como o podem fazer partidos mais pequenos, nas franjas da direita e da esquerda. Mas daí não se segue que o PSD possa ser tudo, ou fazer de conta que é tudo, para acabar por ser coisa nenhuma.

Como contraexemplo, o PSD faria bem em olhar para o seu antigo vizinho CDS, que foi o partido de saudosos do antigo regime, dos yuppies portistas, dos nacionais-católicos, que quis ser conservador, liberal e até social, tudo em sincronia. Teve o seu tempo. Mas esse tempo acabou.


[1] Professor de Filosofia Política.

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