O Estado deve voltar a possuir torres de comunicações móveis

Não estamos a falar de um grande investimento nem de uma impossibilidade jurídica à luz do direito em vigor na UE e portanto essas desculpas não poderão ser como habitualmente invocadas para não fazer o que é preciso.

Ficámos a saber na passada semana que uma mesma empresa estrangeira já é dona de quase dois terços das torres de comunicações móveis, sem que os nossos reguladores tenham pestanejado.

Ao cabo de uns meros quatro anos de manobras dessa empresa, só um dos nossos três operadores principais, e não é o que pertence maioritariamente a acionistas portugueses, tem as suas próprias torres de comunicações móveis.

A revolução tecnológica que resultará da introdução do 5G depende no entanto tanto do equipamento central de gestão dos dados e da rede quanto do equipamento periférico das referidas torres, que representa aliás dois terços do investimento total a fazer.

Quase todos os Estados-membros da União Europeia adoptaram regimes jurídicos que habilitam os reguladores a vigiar a aquisição pelos operadores desses novos equipamentos, quer centrais quer periféricos, por forma a mitigar os riscos para a segurança nacional que resultariam da sua eventual manipulação pelos respetivos fornecedores para recolha de inteligência.

Por maioria de razão, em países onde não haja ainda empresas locais com músculo para o fazer, como o nosso, justifica-se que o Estado detenha pelo menos um terço das referidas torres, designadamente das que cobrirem as instalações de defesa, de segurança e de proteção civil, os órgãos de soberania, uma faixa ao longo do perímetro geográfico nacional, terrestre e marítimo, os aeroportos e os principais eixos de mobilidade interna.

Ao deter essas torres o Estado mais facilmente poderá garantir que os fabricantes do respetivo equipamento sejam oriundos de outros Estados-membros da UE, ou quando muito de outros Estados-membros da OCDE, isto é, de outros Estados de Direito com separação efetiva de poderes e portanto cujo sistema judicial seja independente e possa proteger as empresas em questão contra pressões indevidas do poder executivo.

Não estamos a falar de um grande investimento nem de uma impossibilidade jurídica à luz do direito em vigor na UE e portanto essas desculpas não poderão ser como habitualmente invocadas para não fazer o que é preciso.

A soberania é realmente desde tempos imemoriais um fardo insuportável para as elites nacionais, sempre desconfiadas de tudo o que respeite à liberdade, incluindo a nacional, e que ficaram por isso muito aliviadas quando entrámos na UE pois achavam que nunca mais teriam que se preocupar com a nossa autonomia estratégica.

A saída do Reino Unido e o fecho espontâneo das fronteiras nacionais durante o pico da pandemia vieram no entanto lembrar que a partilha de soberania no quadro da UE é afinal reversível e que, portanto, temos que ser mais autónomos em áreas críticas, a fim de contribuir mais para a manutenção da liberdade nacional, nossa e alheia, em todos os cenários.

Enquanto não houver condições para voltar a poder haver empresas detidas maioritariamente por portugueses em sectores críticos, o Estado tem a obrigação de tomar uma posição forte que assegure a autonomia nacional estratégica, em complemento e reforço do papel dos reguladores, sectorial e da concorrência.

Para continuar a ser um país soberano para as gerações futuras, Portugal não precisa de ser grande nem de liderar, precisa apenas de continuar a limpar as suas dívidas, combater o inverno demográfico, ter instituições sérias e ser autónomo nos domínios estratégicos, que produzam bens ou serviços públicos, de entre os quais as telecomunicações são hoje em dia talvez o principal.

E essa autonomia é assegurada por uma regulação nacional firme e transparente, ainda que eventualmente partilhada com regulação europeia, pela presença relevante de empresas detidas maioritariamente por acionistas portugueses, ou pelo Estado sempre que, e enquanto, estes não tiverem essa capacidade, e, neste caso, por uma gestão independente.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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