A DGS precisa de aprender a comunicar

O estudo sobre a vacinação em crianças que fundamentou a decisão dos Estados e as recomendações da EMA e do ECDC foi publicado em acesso aberto no The New England Journal of Medicine. Em Portugal, os pareceres científicos que fundamentaram a decisão da DGS foram tratados como segredo de Estado e só foram divulgados por pressão política.

Na década de 80 a Prevenção Rodoviária Portuguesa levou a cabo a campanha “comigo o miúdo vai sempre atrás” para sensibilizar os pais a terem os devidos cuidados no transporte das crianças. Não seria má ideia que a Direção Geral de Saúde (DGS) promovesse também uma campanha, desta vez para sensibilizar os pais para as vantagens da vacinação dos seus “miúdos”, uma vez que não é expectável uma adesão massiva à vacinação das crianças. Mas para tal terá a DGS de saber comunicar ciência à população, ser parte ativa no combate à desinformação propalada pelas redes sociais e alguma comunicação social, e sobretudo ser capaz de explicar que no que respeita à covid-19 as decisões têm de ser baseadas no que se sabe a cada momento da investigação científica em curso e nas projeções assentes na modelação dos resultados e dados disponíveis.

A renitência da DGS em divulgar os pareceres dos especialistas que fundamentaram a decisão de vacinar a faixa etária dos 5 aos 11 anos, refugiando-se no argumento de cariz burocrático de que se trata de documentos internos, só contribuiu para a desinformação que se alimenta da especulação sobre as incertezas residuais relacionadas com os efeitos secundários das vacinas, para além de favorecer o aproveitamento político demagógico. O estudo sobre a vacinação em crianças que fundamentou a aprovação pela Food and Drug Administration (FDA) da vacina Pfizer-BioNTech para uso de emergência, a que se seguiram as recomendações para aprovação pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC), a European Medicines Agency (EMA), e o European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC), incidiu sobre 2268 crianças espalhadas pelos Estados Unidos, Finlândia, Polónia e Espanha, envolvendo hospitais, universidades e centros de investigação desses países, para além da Pfizer e da BioNTech. Enquanto esse estudo foi publicado em acesso aberto no The New England Journal of Medicine, os pareceres científicos que fundamentaram a decisão da DGS foram tratados como segredo de Estado e só foram divulgados por pressão política.

A Posição Técnica da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC) divulgado sexta-feira é um documento escorreito no conteúdo e na forma, com enfoque no aspeto que mais preocupará os progenitores, a avaliação de risco-benefício. Há ainda um segundo documento de 38 páginas que detalha a situação da covid-19 em crianças em Portugal e noutros países, que inclui pareceres de especialistas, e que fundamentou a decisão da DGS de avançar com a vacinação. Alguns dados sobre a situação epidemiológica nas crianças foram complementados por Graça Freitas na conferência de imprensa da DGS: “Todos os dias, nos últimos 14 dias, 451 crianças dos 5 aos 9 anos adoeceram com covid-19, o que dá 6320 casos num período de 14 dias”. Na carga da doença deste grupo etário há ainda que ter em conta o isolamento dos contactos que estas crianças tiveram nas escolas. Uma ampla divulgação da Posição Técnica da CTVC irá naturalmente contribuir para a confiança dos pais na vacinação, mas não é suficiente. Era importante que a DGS se empenhasse numa campanha mediática pela vacinação das crianças, eventualmente complementada com a afixação de cartazes e distribuição de folhetos porta a porta.

A extensão que a covid-19 tem vindo a assumir nas crianças e adolescentes está resumida nos documentos da CTVC, FDA, CDC, EMA e ECDC que deram suporte à aprovação da vacinação. Por exemplo, nos Estados Unidos, o primeiro país a decidir a vacinação das crianças dos 5 aos 11 anos, registaram-se mais de 1,9 milhões de casos de covid-19 nessa faixa etária, com 8300 hospitalizações e 146 mortes (dados até 17 de Outubro). A taxa de hospitalização foi 10 vezes superior em adolescentes não vacinados comparativamente a adolescentes com esquema completo de vacinação, sendo que as projeções indicam que a vacinação irá diminuir o número de casos, hospitalizações e internamentos em UCI. Em face destas evidências há quem entenda ignorar os benefícios e especular sobre os riscos, substituir a vacinação pelo processo de imunização natural, e desvalorizar o aumento do número de testes positivos porque, dizem, um portador do vírus não deve ser considerado um doente. Estes argumentos são os mesmos que já ouvimos contra a vacinação nos adolescentes dos 12 aos 18 anos. Contrariar estas forças de bloqueio à vacinação por via de uma mensagem pedagógica e tranquilizadora aos pais deve ser uma preocupação da DGS. A proteção das crianças contra o SARS-CoV-2 é uma obrigação ética e necessidade social.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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