Carta à Estrela Polar: o mundo pula e avança

A mim, enche-me mesmo de esperança e certeza no futuro saber que continuam a existir os corajosos que sabem que “o sonho é uma constante da vida” e que todos os dias se deixam comandar por ele e contribuir para esse avanço no conhecimento.

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Andy Holmes/Unsplash

Entre a azáfama matinal da rotina citadina há sempre tempo para o momento que aprendi contigo, Vó. Parar, beber o meu café e deslumbrar-me com o céu. Talvez não te lembres do momento em que me ensinaste, mas foi assim que aprendi o que é o deslumbrar com os mistérios do planeta e com esse admirável mundo novo.

Há uns dias, a 24 de Novembro, lembrei-me quando, algures num dia frio, com toda a tua ciência tratavas do lume, e soou na televisão Manuel Freire a cantar a Pedra Filosofal. Retorquiste um Olha, esta bonita! e continuaste a cantarolar enquanto acrescentavas umas pinhas. Desconfio que esse dia seria também um 24 de Novembro, e que os noticiários estariam a falar sobre o Dia Nacional da Cultura Científica para homenagear Rómulo de Carvalho. O professor, historiador de ciência e poeta, mais conhecido como António Gedeão.

Num somar, não tão aritmético quanto possa parecer, do teu deslumbrar com a tua sensatez, aprendi a sonhar, mas a analisar cada detalhe do mundo à minha volta. Das estrelas no céu, à ebulição da água no fervedor ou ao bichinho que passa na folha. Quando dei por mim, já era uma fascinada pela ciência e hoje sonho com um mundo em que a ciência é um motor de progresso, de democracia e igualdade.

É que, sabes, o “mundo continua mesmo a pular e avançar”, como dizia o poema da canção. E hoje temos enormes desafios: das alterações climáticas a uma pandemia, dos mistérios do cérebro à saúde mental, e tanto mais que cientistas por esse mapa mundo todos os dias tentam descobrir. A mim, enche-me mesmo de esperança e certeza no futuro saber que continuam a existir os corajosos que sabem que o sonho é uma constante da vida e que todos os dias se deixam comandar por ele e contribuir para esse avanço no conhecimento.

Todo este conhecimento só nos poderá abrir caminhos de liberdade, em que todos e cada um de nós consegue olhar para o mundo e compreendê-lo. Em que todos e cada um de nós se apropria da ciência e do conhecimento, e se envolve de forma activa e crítica.

Mas, para tal, ainda há caminho a percorrer, haverá sempre, dirias tu. Esse caminho que é feito, dia a dia, em cada espanto cultivado em cada um que ouve e experiencia divulgação científica das mais variadas formas. Das conversas com cientistas, das feiras de ciência, dos livros e animações de moléculas e vírus vilões, de um poema que nos leva a sonhar entre reacções químicas. São todos estes pequenos e grandes momentos que permitem à ciência sair cada vez mais dessa “caixa negra” que tantos imaginam. Afinal, poderá este ser o sonho que Gedeão nos falava, que é mesmo espuma, fermento, bichinho álacre e sedento de um movimento que dá sentido à inclusão de todos na ciência.

Neste dia, ao beber o meu café enquanto deslumbro o céu, ouço de novo a canção e dou-te razão – é mesmo bonita. Não sei se o que achaste de tão bonito será o mesmo que hoje me encanta no poema desde muito cedo. Acredito que sim, que em cada verso podemos vislumbrar a essência da cultura científica: os caminhos paralelos e cada vez mais unidos da ciência e a literatura, do pensar e do sentir, da vida e do sonho.

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