Obrigado por te lembrares de mim

Para Adele, a professora que lhe deu a ver o mundo será sempre a Miss, tal como para nós os professores que nos marcaram a vida serão sempre professores, os nossos professores, os mesmos que nada mais pedem para que não nos esqueçamos deles. Como se isso fosse possível.

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Reuters/Lucy Nicholson

Até porque normalmente é ao contrário, somos nós, as crianças, aos pulos para que os professores reparem em nós, se lembrem de nós. Não pedimos mais nada. Somos crianças. Imaturas, queremos brincar e ainda mal habituados a estas andanças dos adultos custa-nos compreender o porquê da escola, o seu sentido e fim e facilmente perdemo-nos sem aquele professor que nos dê a mão.

A mão que corremos a segurar. 

A mão da Miss (por estas bandas referimo-nos às professoras por Miss e aos professores por Sir) que Adele correu a segurar, de seu nome Coyle McDonald. A mesma Miss Coyle McDonald que mais nada fez para além de acreditar. Acreditar no direito de cada criança a ser feliz. 

Porque é para isso que serve a escola, para fomentar a felicidade ao identificar e promover o melhor em cada um de nós.

No caso de Adele foram as letras e as artes, no caso do Pedro foi o futebol e hoje o Pedro é treinador, no caso da Joana o teatro e os palcos onde hoje a encontro, a Antónia que trabalha como investigadora em Biologia Marinha, o David que hoje é médico e para além da inteligência imensa nem dinheiro tinha para comer, só para enumerar alguns exemplos.

Alguns exemplos de fé e coragem dos professores que, sem lhes pedirmos nada, sem estarmos à espera de nada, insistiram em sorrir dia após dia à nossa chegada, um bom dia e um boa tarde, um desejo de boa sorte antes de cada teste, uma palavra de apreço pelo resultado, o reconhecimento e a aceitação, dois minutos de conversa se os víamos na rua ou apenas aquele aceno e sorriso de quem sabe que existimos, as conversas com os nossos pais e os telefonemas para casa e sempre uma palavra amiga, a preocupação, o querer saber, como se fossem nossos pais, e foram, e são, um cartão para cada aluno no fim do ano e ainda tenho o cartão guardado e as palavras ficam para sempre marcadas nesta pele.

Mas mais: o professor, a professora, não se foi embora no fim do ano. Ficou mais um ano e desta vez com a direcção de turma e, surpresa das surpresas, levou-nos pela mão até ao fim do 9.° ano, três anos ao todo e por aqui se vê a importância de um corpo docente estável. 

Estável, mas também valorizado, reconhecido e acarinhado pelos alunos, pela sociedade, por quem nos dirige.

Se no nosso caso bastou uma professora ao longo de três anos, onde estaria o mundo, e com o mundo o nosso país e todas as gerações de crianças anteriores e posteriores à nossa se aos professores se desse o devido valor?

Estou certo em como seríamos muito mais felizes. E corajosos. E livres. 

E, no entanto, se lhes perguntarmos, aos professores que nos marcaram a vida, a razão do seu amor e dedicação, a resposta é invariavelmente a mesma: estávamos apenas a fazer o nosso trabalho. Sem mais nada em troca.

Por isso a humildade de Miss Coyle McDonald, sem a qual não teríamos hoje nem Adele nem as suas canções, ao subir ao palco para proferir estas simples palavras: “Thank you for remembering me”. Nada mais. Obrigado por te lembrares de mim. E a despedida de Adele ao dizer “Goodbye, Miss” como se Adele estivesse de volta à escola e à sala de aula. E está. Porque para Adele a professora que lhe deu a ver o mundo será sempre a Miss, tal como para nós os professores que nos marcaram a vida serão sempre professores, os nossos professores, os mesmos que nada mais pedem para que não nos esqueçamos deles. Como se isso fosse possível.

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