Emprego qualificado no sector dos serviços cresceu 24% numa década

O crescimento do emprego em áreas mais intensivas em conhecimento como a programação, a consultoria ou a saúde ainda não é suficiente para absorver o aumento da mão-de-obra qualificada em Portugal, colocando desafios às empresas e aos sistemas de ensino e de protecção social. Marcelo desafiou os jovens a “forçar a porta” do mercado de trabalho.

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Paulo Marques quis perceber como é que o mercado de trabalho está a responder ao problema de sobrequalificação dos jovens portugueses ADRIANO MIRANDA / PUBLICO

Na última década assistiu-se, em Portugal, a um aumento significativo do emprego qualificado no sector dos serviços, muito impulsionado pelas áreas da programação, da consultoria e da saúde. Mas a subida de 24% verificada entre 2008 e 2020 continua a não ser suficiente para absorver o aumento das qualificações dos jovens, colocando desafios às empresas, ao sistema de ensino e aos sistemas de protecção social.

Este foi um dos dados apresentados nesta segunda-feira por Paulo Marques, investigador e coordenador do Observatório do Emprego Jovem (OEJ), durante a conferência “O Futuro do Trabalho Visto pelos Jovens”, organizada pela Presidência da República e pelo ISCTE.

Paulo Marques quis perceber como é que o mercado de trabalho está a responder ao problema de sobrequalificação dos jovens portugueses e encontrou algumas evoluções positivas. Desde logo, identificou um aumento do emprego intensivo em conhecimento no sector dos serviços, enquanto o emprego pouco intensivo em conhecimento caiu 5% no período analisado.

Essa evolução contribuiu para que o peso do emprego qualificado no total tivesse passado de 29%, em 2008, para quase 38% em 2020, superando o peso do emprego pouco qualificado, que nesse ano era de 32,5% (percentagem praticamente igual à verificada em 2008).

O investigador destaca o contributo de áreas como a dos especialistas das profissões científicas, que teve “um crescimento enorme” e passou de cerca de 450 mil pessoas para cerca de um milhão em 2020, mas também de áreas como a programação e consultoria, que no ano passado empregava quatro vezes mais pessoas do que em 2008, ou o sector da saúde.

“Os dados mostram que onde temos mais sucesso na modernização da nossa economia é no sector dos serviços intensivos em conhecimento e as políticas públicas têm que funcionar de forma concertada para potenciar esses sectores”, destaca em declarações ao PÚBLICO.

O turismo, sublinha o investigador, tem sido importante para o crescimento económico e vai continuar a ter um peso relevante na nossa economia, “mas esse não deve ser o desígnio estratégico do país”. “O desígnio estratégico tem de ser aproveitar a grande elevação das qualificações e isto só se consegue potenciando o emprego mais intensivo em conhecimento na área dos serviços”, avisa.

Em todo este processo, há jovens que nunca conheceram um contrato e trabalho e outros que acabam por ficar para trás. É aqui que Mafalda Troncho, directora do escritório da Organização Internacional do Trabalho em Portugal, defende que tem de se concentrar a atenção dos sistemas de protecção social, alertando que “quando o grupo dos perdedores começa a ser muito grande" emergem outros problemas como a descrença na democracia.

Marcelo desafia jovens a “forçarem a porta"

Mas se por um lado se identifica uma falta de oportunidades de emprego para os jovens mais qualificados, ao longo da conferência ficou evidente a dificuldade que algumas empresas portuguesas têm em recrutar quadros qualificados e em competir num mercado de trabalho cada vez mais global.

Esse foi um problema trazido por Joana Rafael, uma das fundadoras da startup Sensei, que defendeu um alívio dos custos do trabalho e uma mudança nas relações laborais para um modelo mais colaborativo, permitindo que as empresas do sector tecnológico possam competir à escala internacional.

João Cerejeira, professor de Economia da Universidade do Minho, deixou algumas pistas para o futuro. Uma delas passa por abrir alguns sectores como o das telecomunicações ou o da televisão ao mercado, para potenciar a criação de emprego e de oportunidades para os jovens. Carlos Oliveira, presidente da Fundação José Neves, acrescentou que é fundamental que o sistema de educação se torne mais inovador, mas alertou que o problema do acesso dos jovens ao mercado de trabalho não se resolve sem que as empresas se modernizem.

A conferência terminou com uma intervenção do Presidente da República. Marcelo Rebelo de Sousa sublinhou que a sociedade e a economia têm de mudar ao ritmo das mudanças das qualificações, alertando que, se isso não acontecer, haverá um “choque” e uma “ruptura comportamental”.

As empresas, o sector social ou o sector público – constatou não têm “conseguido responder às expectativas” das novas gerações que se interrogam “onde é que cabem nos sistemas existentes”.

Dirigindo-se aos jovens que estavam na plateia, o Presidente, desafiou-os a “forçarem a porta” e a serem parte activa da mudança.

“Não é rebelarem-se, é terem a noção de que são elementos activos não apenas de denúncia e de crítica, mas de construção da mudança”, clarificou, sublinhando que muitos “já estão a construir a mudança no sector social, no sector empresarial, no sector académico”.

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