Álbum com versões de canções portuguesas dá um Grammy Latino a Zeca Baleiro

O cantor e compositor maranhense Zeca Baleiro foi um dos nove brasileiros contemplados com um Grammy Latino, pelo álbum Canções d’Além-Mar, onde ele gravou onze canções portuguesas, de Sérgio Godinho a José Cid, passando por José Afonso, Variações, Abrunhosa, Jorge Palma, Fausto, Ala dos Namorados, Ornatos Violeta, Rui Veloso e Vitorino.

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Zeca Baleiro SILVIA ZAMBONI

É verdade que não houve portugueses entre os distinguidos na cerimónia dos Grammys Latinos deste ano, que decorreu na passada quinta-feira à noite em Las Vegas (e na corrida estavam a fadista Sara Correia, Carolina Deslandes e Salvador Sobral), mas entre os vencedores não só estiveram várias canções portuguesas (em versões brasileiras) como a Melhor Canção em Língua Portuguesa tem por título Lisboa, das brasileiras Anavitória num dueto com Lenine.

Tudo devido ao Brasil, que na edição deste ano teve um total de nove premiados, além de uma distinção especial concedida a Martinho da Vila: não ganhou na categoria para a qual estava nomeado, Melhor Álbum de Samba/Pagode, com Rio: Só Vendo a Vista, mas aos 83 anos foi distinguido pela sua carreira, realçando os organizadores a sua “excelência musical”.

O facto de onze canções portuguesas terem entrado, por arrasto, nos álbuns nomeados, deve-se à paixão que o cantor e compositor maranhense Zeca Baleiro foi desenvolvendo ao longo dos anos pela música e pelos autores portugueses. Isso levou-o a lançar em 2020, na pandemia, um álbum composto integralmente por versões de temas portugueses pelos quais se afeiçoou. Chamou-lhe Canções d’Além-Mar e nele incluiu Ala dos Namorados (Razão de ser (e valer a pena)), António Variações (Canção de engate), Fausto Bordalo Dias (Ali está a cidade), Jorge Palma (Bairro do amor), José Afonso (Balada de Outono), José Cid (É no silêncio das coisas), Ornatos Violeta (Capitão romance), Pedro Abrunhosa (Tu não sabes), Rui Veloso (Todo o tempo do mundo), Sérgio Godinho (Às vezes o amor) e Vitorino (Menina, estás à janela). Foi este disco que veio agora a ser premiado como Melhor Álbum de Música Popular Brasileira.

Uma interessante ironia

Uma ironia, segundo o próprio. “É curioso, porque deve ter sido a minha oitava indicação ao Grammy Latino”, diz ao PÚBLICO Zeca Baleiro, reagindo à distinção. “Já estava resignado. Não deixa de ser irónico, o prémio de melhor disco de música brasileira ter um conteúdo de canções portuguesas. Mas é interessante, é bom e é o melhor dessa premiação, na verdade, para além da glória mundana de ser premiado, porque é trazer de novo o disco à tona, fazer as pessoas notarem, ouvirem o disco de novo. Isso é o mais interessante de tudo.”

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O disco, com capa de Elifas Andreato (que tem assinado várias capas para Martinho da Vila, entre outros) não teve edição física, até agora. “Eu tinha planos de fazer uma pequena prensagem em vinil e uma pequena edição em CD, porque se ouve muito pouco CD hoje. Antes do prémio, isso já estava preparado, e vai avançar para o ano que vem. E, seguindo o projecto inicial, com dois bónus, para criar uma nova curiosidade sobre o disco.” Os dois bónus, segundo Zeca Baleiro, serão Inquietação, de José Mário Branco, e O homem do leme, dos Xutos & Pontapés. Em 2022, ele prevê também fazer “uma pequena digressão por Portugal, com este repertório”.

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Zeca Baleiro com Jorge Palma após ensaio para o Rock In Rio Lisboa 2010 DR

Estranhamento e prazer

Nascido em 11 de Abril de 1966, em São Luís do Maranhão, Zeca Baleiro foi trazido à ribalta por Gal Costa e gravou o seu primeiro álbum, Por Onde Andará Stephen Fry?, em 1997, somando já um lote considerável de discos, entre eles projectos dedicados a poetas como Hilda Hilst ou José Chagas.

A ideia de um disco só com autores portugueses veio mais tarde, como ele contou ao Ípsilon por altura do lançamento do disco: “Este projecto surgiu forte na minha cabeça em 2005, quando eu lancei o disco Baladas do Asfalto e Outros Blues, o meu primeiro editado em Portugal, onde eu já vinha construindo um certo público. Então, acharam de bom-tom lançar primeiro em Portugal e com um bónus de uma música portuguesa. E acabei escolhendo, entre tantas, Frágil, do Jorge Palma.”

E foi esse bónus que o incentivou: “Ali, senti duas coisas interessantes: primeiro, o prazer de cantar coisas portuguesas e trazê-las para o meu universo; segundo, o impacto que isso tinha no público português. Há um estranhamento, e ao mesmo tempo um prazer, ao ouvir essa música cantada com sotaque, em dialecto brasileiro.”

Os premiados brasileiros

Além de Zeca Baleiro, os restantes oito brasileiros premiados nos Grammy Latinos deste ano foram Caetano Veloso e o seu filho Tom Veloso, com Talvez (Gravação do Ano), as Anavitória e Lenine, com Lisboa (Melhor Canção em Língua Portuguesa), de novo Anavitória, agora com o álbum Cor (Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa), A Cor do Som com Álbum Rosa (Melhor Álbum de Pop Contemporâneo em Língua Portuguesa), Paulinho da Viola com Sempre Se Pode Sonhar (Melhor Álbum de Samba/Pagode), Chitãozinho e Xororó com Tempo de Romance (Melhor Álbum de Música Sertaneja), Ivete Sangalo com Arraiá da Veveta (Melhor Álbum de Música de Raízes em Língua Portuguesa) e, por fim, Toquinho e Yamandu Costa com Bachianinha, uma gravação ao vivo (Melhor Álbum Instrumental).

Canções d’Além-Mar, de Zeca Baleiro, vencedor na categoria de Melhor Álbum de Música Popular Brasileira, foi lançado em Julho de 2020 e contou com a colaboração de músicos brasileiros e dos portugueses Paulo Felgueiras (piano em Balada de Outono), Pedro Jóia (guitarra clássica em Razão de ser (e valer a pena)) e Nathanael Sousa (acordeão em Menina, estás à janela), além da orquestra de cordas Saint Petersburg Studio Orchestra (Rússia).

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