Jornalistas vigiados pela PSP ilibados de violação do segredo de justiça. Ministério Público recorre da decisão

Em causa estão notícias que os profissionais de informação Carlos Rodrigues Lima e Henrique Machado escreveram sobre o processo e-Toupeira e também sobre o caso dos e-mails e a Operação Lex, que tem como principal arguido o ex-juiz Rui Rangel.

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O julgamento decorreu no Campus da Justiça, em Lisboa Nuno Ferreira Santos (arquivo)

Os dois jornalistas que foram vigiados pela PSP por ordem do Ministério Público e acusados de violação do segredo de justiça foram ilibados pelo juiz de instrução Carlos Alexandre. Mas, apesar disso, ainda não é certo que não venham a ser julgados, uma vez que a procuradora titular do processo vai recorrer da decisão.

Em causa estão notícias que os profissionais de informação Carlos Rodrigues Lima e Henrique Machado escreveram sobre o processo e-Toupeira e também sobre o caso dos e-mails e a Operação Lex, que tem como principal arguido o ex-juiz Rui Rangel. O juiz de instrução ilibou também o inspector-coordenador da Polícia Judiciária que supostamente lhes passou informações confidenciais acerca dos dois processos, Pedro Fonseca, não só pelo mesmo delito como por outros dois, abuso de poder e falsidade de testemunho.

No debate instrutório do caso em que os três eram arguidos, a procuradora Andreia Marques pugnou pela ida a julgamento e pela condenação, alegando que o direito a informar e a liberdade de imprensa têm, apesar de estarem consagrados na Constituição, algumas limitações.

Ao contrário do que defendem os jornalistas e também vários juristas, a magistrada garantiu que as vigilâncias de que foram alvo não violam a lei. O subdirector da Sábado Carlos Rodrigues Lima foi seguido na rua pela PSP e também fotografado, facto que suscitou muitas críticas quando foi conhecido. As autoridades também acederam aos movimentos da sua conta bancária.

Para Carlos Alexandre, os indícios recolhidos pelo Ministério Público não são suficientes para incriminar nenhum dos arguidos, uma vez que não foi possível determinar com rigor a origem da fuga de informação. O magistrado assinala que existiu “uma multiplicidade de pessoas a intervir estes processos": magistrados, funcionários judiciais, membros da Polícia Judiciária e advogados. “Acresce que os despachos [judiciais], processados por computadores ligados à rede, ficam disponíveis no servidor, não se podendo excluir que alguma entidade estranha a eles ilicitamente deles possa ter conhecimento”, observa, numa referência a uma eventual intrusão informática. 

“As notícias chegaram de modo não apurado ao conhecimento generalizado da comunidade jornalística, sendo manifesto o interesse público dos factos sob investigação”, descreve o juiz, que não vislumbra nenhuma “necessidade social imperiosa” na punição criminal de quem quer que seja neste caso. 

Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

Por fim, Carlos Alexandre conclui que os jornalistas em causa agiram ao abrigo do direito de informar de forma legítima, sem terem infringido a lei. E cita jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos já invocada anteriormente por um antigo presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henriques Gaspar, para defender que a liberdade de expressão “tem sido considerada como um dos direitos mais preciosos do homem”, constituindo “condição sine qua non de uma verdadeira democracia pluralista, necessária ao desenvolvimento do homem e ao progresso da sociedade”. 

No que respeita ao confronto do segredo de justiça com a liberdade de expressão e de informação, prossegue o despacho do juiz de instrução, continuando a citar a mesma fonte, “o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tem-se pronunciado contra restrições à liberdade de expressão que não considera necessárias, designadamente quando as informações em causa já sejam públicas”. E o Estado português tem sido condenado por este tribunal “com base na falta de verificação do requisito da necessidade de restrição numa sociedade democrática”. 

Carlos Alexandre abstém-se de se pronunciar sobre a legitimidade da procuradora titular do processo para mandar vigiar o jornalista Carlos Lima, ainda por cima sem para isso ter pedido autorização a um juiz. Alegou estar proibido por lei de o fazer, uma vez que de nenhuma destas diligências resultaram indícios de crime, tendo portanto sido inúteis do ponto de vista da dedução de acusação. 

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