A Bênção dos Animais: Alfredo Cunha mostra a Lisboa outra forma de festejar o Santo António

Fotógrafo expõe na capital duas décadas de reportagens nas romarias de Mixões da Serra, em Vila Verde. “Encontramos todas as nossas virtudes e todos os nossos defeitos aqui”, diz.

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Alfredo Cunha
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Alfredo Cunha chega, como habitualmente de máquina fotográfica a tiracolo, percorre célere a exposição e detém-se junto a uma fotografia. “Isto é muito bom, isto é muito bom!”, exclama. E espanta-se: “Foram a Mixões?”

À sua frente está a imagem de uma mulher que sorri para a objectiva com uma pequena vaca de cera nas mãos. Na vitrine em baixo, como que a emoldurar, estão animais de cera palpáveis: ovelhas, gatos, vacas, cães. Foram mesmo a Mixões.

A Mixões da Serra, concelho de Vila Verde. É lá que desde o século XVII se realiza uma romaria e uma bênção de animais por devoção a Santo António. Desde que os pastores e agricultores da terra pediram ao padroeiro que os livrasse da peste, dos ataques dos lobos e javalis. O santo ter-se-á compadecido, fez desaparecer as ameaças que pairavam sobre o gado e o povo retribuiu com a construção de uma ermida.

Trezentos anos depois, em 1996, Alfredo Cunha foi descobrir o ancestral ritual minhoto que se repete a cada 13 de Junho e dias vizinhos. Desde então, o fotógrafo esteve presente em todas as romarias e são duas décadas de reportagens que estão agora visitáveis no Museu de Lisboa – Santo António, depois de as fotografias já terem sido exibidas em Vila Verde.

Os animais de cera que estão na vitrine são ex-votos que os habitantes de Mixões compram “na própria igreja”, explica Alfredo Cunha. “Depois dão uma volta ao santuário para afastar as doenças e os lobos. É um pouco como Fátima”, pondera.

A Bênção dos Animais traz à capital uma forma de festejar Santo António a que os lisboetas não estão habituados. A sala escolhida para a mostra, onde a exposição permanente exibe manifestações populares do santo em Lisboa, reforça “o contraste entre as tradições lisboetas com as tradições de outro local”, diz Leonor Alvim, curadora da exposição.

“Muito da nossa maneira de ser está aqui. Encontramos todas as nossas virtudes e todos os nossos defeitos aqui”, diz Alfredo Cunha sobre as suas fotografias. Todas a preto e branco, elas mostram velhos de olhar tristonho e crianças sorridentes (e vice-versa), bois em repouso e cavalos à solta (e vice-versa), a banda a tocar e o padre a derramar sobre o gado a água benta. “Eles falam com os animais e estes obedecem como se fossem cães”, diz o fotógrafo.

Para ele, “este é um trabalho etnográfico e jornalístico” através do qual se “perpetua o tempo”. E o tempo permitiu-lhe ver que “a festa mudou” ao longo dos anos, pois agora “já quase não há gado” bovino e surgem “mais cavalos, mais ovelhas” e até cães e gatos.

Ainda assim, há rituais que não se perdem. A romaria começa bem cedo, quando o sol nasce, com o cumprimento da promessa – dar a volta à ermida na companhia dos animais. Segue-se uma missa solene, campal, com povo e gado lado a lado. Dá-se por fim a bênção, seguida de procissão. E depois estala a festa profana com o habitual repertório de comes e bebes, música e fogo-de-artifício. “Isto começa às seis da manhã e são os homens que levam o gado, mas quando acaba à noite já são as mulheres que o trazem de volta”, ri-se Alfredo Cunha.

A exposição está no Museu de Lisboa – Santo António, no largo com o mesmo nome, até 23 de Janeiro de 2022. A Câmara de Vila Verde publicou um livro com todas as fotografias, inclusivamente as que não couberam no espaço.

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