Micobactérias da água: uma ameaça silenciosa

Para nos protegermos, é fundamental tomar medidas como lavar regularmente os bocais das torneiras e cabeças de chuveiros com lixívia ou mergulhá-las em água a ferver ou usar máscara durante o trabalho agrícola ou jardinagem.

Foto
André Caetano

As características únicas das micobactérias não tuberculosas, como uma “carapaça” robusta, que as protege da cloração e de outras condições adversas, permite-lhes “escapar” e viajar pelas redes de distribuição de água.

O que são as micobactérias e onde vivem?

As micobactérias são um grupo de bactérias com cerca de 200 espécies, entre elas as que causam tuberculose ou lepra. As que não causam estas doenças são designadas “micobactérias não tuberculosas” (MNT). As MNT vivem em ambientes naturais como águas de lagos e rios, solos, poeiras e plantas. Muitas infectam peixes, répteis, aves ou mamíferos.

Esporadicamente, algumas espécies de MNT ameaçam a saúde humana, sendo as pessoas com saúde fragilizada alvos perfeitos, o que as torna agentes patogénicos oportunistas. A infecção mais frequente é pulmonar, com sintomas como tosse, febre, fadiga ou perda de peso. Porém, algumas MNT infectam a pele, o intestino ou outros órgãos.

Sendo naturalmente resistentes aos antibióticos mais comuns, as infecções por MNT requerem tratamentos com cocktails de antibióticos especiais, mas relativamente pouco eficazes, o que obriga a tomas prolongadas com efeitos secundários que podem ser graves.

A viagem das micobactérias até às nossas casas

O saneamento da água foi, a par das vacinas e dos antibióticos, uma das maiores conquistas civilizacionais em saúde pública, porque reduziu drasticamente a ocorrência de epidemias como cólera e febre tifóide, e mortes associadas.

Os protocolos actuais para controlo microbiológico da água da rede municipal, incluindo adição de cloro (cloração) ou derivado, pretendem que a água não transporte micróbios patogénicos em níveis que ameacem a nossa saúde. Porém, não eliminam totalmente as MNT. As suas características únicas como uma “carapaça” robusta que as protege da cloração e de outras condições adversas permite-lhes “escapar” e viajar pelas redes de distribuição de água, aderindo às tubagens, multiplicando-se lentamente e acumulando-se nos filtros de torneiras e nas cabeças de chuveiros na forma de películas (os biofilmes). Aqui, ganham protecção adicional contra temperatura elevada ou mesmo secura.

Infecção por MNT: quem, quando e como?

O nosso principal contacto com as MNT ocorre, provavelmente, através de aerossóis gerados em chuveiros, que são inalados e transportados até aos pulmões. Pessoas com doença crónica ou sistema imunitário frágil, por exemplo fibrose quística, doença pulmonar obstrutiva crónica, cancro, doença cardiovascular ou idade avançada, são mais susceptíveis a infecções por MNT.

Neste momento, como consequência de alguns efeitos crónicos da covid-19, é de prever um aumento na incidência de infecções por MNT. Ao contrário da tuberculose e da lepra, que se transmitem de pessoa para pessoa, a doença por MNT não é considerada contagiosa, salvo raras excepções. Ainda assim, a prevalência real destas infecções continua subestimada, e a incidência continua a crescer, principalmente em países desenvolvidos e com populações mais envelhecidas, como Portugal.

Como nos protegemos?

Enquanto não se modernizam os protocolos de desinfecção das redes de distribuição para controlar as MNT presentes na água que chega às nossas casas, é fundamental tomar algumas medidas, tais como: lavar regularmente os bocais das torneiras e cabeças de chuveiros com lixívia ou mergulhá-las em água a ferver (cinco minutos); regular a temperatura do termoacumulador/cilindro para cerca de 60 graus Celsius; utilizar máscara durante o trabalho agrícola ou jardinagem, para evitar inalar poeiras do solo. Pessoas que pertençam a grupos de risco devem instalar filtros especializados nas torneiras e evitar banheiras de hidromassagem e SPA.

Investigação em curso

A resistência das MNT a antibióticos, combinada com a falta de investimento na descoberta de novos fármacos antimicobacterianos, comprometem seriamente a nossa capacidade para as combater. Portanto, para tentar sabotar as suas estratégias de sobrevivência e infecção, e identificar potenciais novos alvos para desenvolvimento de antibióticos mais eficazes e seguros, o nosso laboratório no Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CNC) investiga mecanismos que levam à construção da “carapaça” robusta das micobactérias.

Também em linha com o Objectivo 6 da Agenda 2030 das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, e porque é urgente optimizar protocolos que garantam o mais possível a segurança microbiológica da água potável, a nossa missão inclui “caçar” MNT dentro e fora de casa, para percebermos como vivem, se escondem e resistem. Estas linhas de investigação tiveram o apoio da Fundação Mizutani para as Glicociências (Japão), da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

Autores: Nuno Empadinhas, Susana Alarico, Ana Maranha, Daniela Nunes-Costa, Inês Roxo (Grupo Microbiologia Molecular e Microbioma, Centro de Neurociências e Biologia Celular e Centro de Inovação em Biomedicina e Biotecnologia, Universidade de Coimbra)
Ilustração: André Caetano
Produção e revisão: Carolina Caetano, Marta Quatorze e João Cardoso
Coordenação do projecto: Sara Varela Amaral

Foto
Sugerir correcção
Comentar