Lisboa 8 – Província 4

Tribunal Constitucional e STA (e tantas outras instituições) fora de Lisboa? É decisão que só peca por tardia…

A certo passo das Viagens na Minha Terra, diz Garrett que, para repartir com igualdade o melhoramento das ruas de Lisboa, os ministros deviam ser obrigados a mudar de bairro todos os três meses e, levando o princípio ao resto da “fazenda”, viajar pelo país pelo menos uma vez por ano. Donde que, se desde o séc. XV a sede do poder político está instalada em Lisboa, pelo menos desde o séc. XIX que o centralismo é tema que anda na boca do povo.

Já se sabe que falar de Portugal, do Reino ou do Império é (quase) sempre falar de Lisboa, terra de deslumbres (e deslumbrados). Pelo que a hipótese da saída do Tribunal Constitucional e do Supremo Tribunal Administrativo para Coimbra só podia cair como pedrada no charco parado da capital. Que haja quem afirme que a deslocalização de dois órgãos de soberania para outras terras é desprestigiante ou indicia um tratamento de inferioridade não surpreende, mas indigna. Para contrariar tamanha ideia, basta citar da magistral declaração de voto vencido do conselheiro Manuel da Costa Andrade: “é evidente que qualquer lugar do chão nacional – em que se vive e trabalha ao ritmo da mesma língua, se rega de suor e sangue a mesma terra em busca de pão, se presta tributo e culto aos mesmos manes pátrios e se faz a mesma história – tem a mesma dignidade e legitimidade para acolher uma das mais sublimes instituições do Estado de Direito. E de fazê-lo oferecendo ao Tribunal o enquadramento e ambiente adequados, coisa que está longe de ser monopólio do Bairro Alto.”

Tribunal Constitucional e STA (e tantas outras instituições) fora de Lisboa? É decisão que só peca por tardia… Mas que não seja só Coimbra, que não é propriamente a escolha geográfica mais ousada (donde ainda menos compreensíveis resultam as críticas). Porque não o Constitucional em Albergaria-a-Velha e o STA em Resende? Cada localidade do chão pátrio é merecedora da honra de ser sede das instituições da República. E toda a instituição é honrada por poder servir o país, o que tanto se faz a partir de Valença como de Faro.

Enganem-se, porém, aqueles que julgam que o problema do centralismo em Portugal se resume à residência do poder. Há subtilezas e nuances nem sempre fáceis de explicar ou compreender, que ficam encalhadas entre o acaso, onde a maioria as quer colocar, e o facto político e sociológico.

Vejamos: dos 12 juízes conselheiros que actualmente compõem o mais alto tribunal da Nação, oito nasceram na área metropolitana de Lisboa, dois em Coimbra, um em Baião e outro em Portalegre. Estes números não parecem, à partida, significar muito, mas deles é possível extrair duas conclusões, uma mais improvável do que outra: ou só na capital e arredores é que nascem bons juízes para o TC, que toda a gente sabe que o Minho, Trás-os-Montes e o Ribatejo ainda são sáfaros em constitucionalistas; ou as instituições, mesmo as soberanas, deitaram de tal modo as raízes na capital que o recrutamento é mais ou menos endogâmico, mesmo de vizinhança, deixando o resto do país sem representação e, mais grave, sem oportunidades!

No Governo, a história repete-se, embora noutras proporções: dos 20 ministros, incluindo o primeiro deles, dez nasceram em Lisboa e Vale do Tejo, dois são provenientes do distrito de Aveiro (designadamente o delfim de António Costa) e os restantes de Braga, de Portalegre, de Abrantes e do Porto, havendo até espaço para dois ministras nascidas em Angola e um na Índia (falamos de Nelson de Souza que, apesar dos parcos avistamentos, é ministro do Planeamento). O problema, aqui, já não é quantitativo, mas qualitativo, uma vez que, com honrosas excepções, as pastas tradicionalmente mais relevantes são ocupadas por lisboetas, entregando-se as favas ministeriais ao contentamento dos da província.

Obviamente que nem o TC nem o Governo serão os casos mais flagrantes no que toca à falta de representatividade territorial. Basta correr os gabinetes da administração pública central, quase toda plantada em Lisboa, para ver que são povoadas e dirigidas por gente daquelas bandas, que as dinastias não são um exclusivo das universidades, impondo a pergunta: como é que esperamos que dirigentes nascidos e criados debaixo do abençoado sol dourado da capital possam inventar políticas públicas que sirvam adequadamente territórios tão vários e com necessidades tão específicas como aqueles que compõem a pátria?

É por tudo isto que deslocalizar é tão importante. Só por falta de apelo igualitário, de desenvolvimento e de coesão se pode insistir na concentração de (quase) todas as instituições da República em Lisboa.

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