A extinção é para sempre? A ciência está a tentar que não seja

Mamutes-lanosos e pombos-passageiros são animais icónicos e cujo habitat já desapareceu. Há planos para tentar recuperá-los, calculando os efeitos que teriam no novo ambiente. Mas há urgência em salvar espécies que se estão a extinguir agora.

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Se conseguíssemos recuperar os mamutes lanosos, estes poderiam recuperar a tundra siberiana Giant Screen Films

A extinção de uma espécie é para sempre… Ou então não. Se alguns cientistas têm planos mais ambiciosos, como fazer renascer o mamute lanoso (ou um híbrido de elefante asiático e deste mamute cujos últimos exemplares, em regiões isoladas, desapareceram da face da Terra há cerca de 4000 anos), há muitas outras espécies, mais recentes ou até contemporâneas, mas que cruzaram a linha vermelha da extinção, em relação às quais os cientistas estão a tentar usar as tecnologias mais recentes para as tentar ressuscitar.

A empresa Colossal, que tem à frente o professor de Genética de Harvard George Church, especialista em biologia sintética e sequenciação genómica, financiada por vários empreendedores tecnológicos, lançou-se este mês, com um objectivo a cinco anos: fazer reviver o mamute lanudo (Mammuthus primigenius).

Mas não é para o clonarem, tipo a história dos dinossauros do Parque Jurássico. A ideia seria criar um híbrido de elefante asiático com ADN antigo de mamute, produzido através de engenharia genética. Seria criado, primeiro, num útero artificial, para evitar pôr em risco fêmeas de elefantes, animais que também correm risco de extinção actualmente. Se tiver sucesso assim, então o projecto avançará mais.

Mas a ideia é mais abrangente, é todo um projecto de rewilding” ou renaturalização da tundra siberiana. A ideia é que, ao fazer regressar ao que é hoje a tundra siberiana estes grandes animais, eles possam um dia formar grandes manadas que teriam a capacidade de transformar a paisagem, ao passarem, ao deixarem estrume, para a tornar uma estepe com pasto, como era antes de se terem extinguido.

Mas não há dúvida de que isto é muito ambicioso: os cientistas calculam que há 20 mil anos, havia 200 mil mamutes na zona onde hoje existe a tundra siberiana.

Esta ideia de reinserir megafauna – não necessariamente mamutes recuperados dos confins da história, mas grandes herbívoros hoje existentes, como cavalos e bois almiscarados, por exemplo – na tundra siberiana, dominada por musgos, arbustos e escassas florestas, tem sido defendida por alguns cientistas, porque esta megafauna poderia ajudar a transformar a tundra em terrenos de pasto. Isso poderia atrasar o derretimento do permafrost na Sibéria e ajudar a reduzir as emissões de dióxido de carbono e de metano, um gás 25 vezes mais eficiente a captar o calor da atmosfera do que o CO2.

O colapso do permafrost seria um dos 12 pontos de viragem determinantes identificados pelo Painel Intergovernamental das Alterações Climáticas para que o processo de aquecimento do clima se tornasse irreversível. Mas, segundo o raciocínio dos cientistas que defendem o uso de megafauna na tundra – e talvez mamutes –, o aumento de produtividade das ervas do pasto que provocariam estes animais faria aumentar a captura de C02. Isto é defendido, por exemplo, por cientistas britânicos e russos na revista Philosophical Transactions of the Royal Society B: Biological Sciences em 2020.

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O ar ficou literalmente cheio de pombos. A luz do meio-dia foi obscurecida como por um eclipse; as caganitas caíam como manchas, pareciam flocos de neve John James Audubon

Para que isto acontecesse – e se tornasse realidade aquilo a que alguns cientistas chamam “Parque Pleistoceno na Sibéria” –, seria necessário que o projecto da Colossal de recuperar os mamutes lanosos tivesse sucesso, e em grande escala. Porque esse é um dos pontos críticos destas ideias de recuperar espécies extintas: não foi só o animal que se perdeu, foi também o seu mundo, o ambiente em que vivia. Por isso, é legítimo perguntar: se a tecnologia nos permitir tornar a reversão destas extinções realidade, será que devemos fazê-lo? Afinal, o seu mundo desapareceu com eles.

O triste fim de Martha

Veja-se o caso dos pombos-passageiros – o nome devia-se ao seu comportamento migratório – que em tempos representaram mais de um quarto de todas as aves da América do Norte. Podem mesmo ter sido a espécie de aves mais abundante do planeta – mas o último exemplar foi uma fêmea chamada Martha, que morreu no Zoológico de Cincinnati, a 1 de Setembro de 1914.

Estes bandos de pombos, da espécie Ectopistes migratorius, escureciam os céus e geravam pânico nos humanos e no gado, quando passavam nos céus. Há relatos de que podiam demorar dias a passar. “O ar ficou literalmente cheio de pombos”, escreveu o famoso naturalista norte-americano John James Audubon, quando assistiu à passagem de um bando composto por milhares de milhões destas aves. “A luz do meio-dia foi obscurecida como por um eclipse; as caganitas caíam como manchas, pareciam flocos de neve.”

A abundância destes pombos foi o que levou à sua perdição: foram caçados sem dó nem piedade, e o avanço de duas tecnologias, o telégrafo e o comboio, também ajudou, diz um artigo no número de Outono da revista California Magazine. Apesar de tão abundante, a espécie também sofreria de alguma falta de diversidade genética, o que não a terá ajudado a sobreviver. Este desaparecimento acelerado do pombo-passageiro levou a uma mudança de sentimento sobre espécies em risco nos Estados Unidos, e acabou por levar à elaboração das primeiras leis de protecção da vida selvagem no país.

O que não aconteceria, se este mar de pombos se cruzasse com a indústria da aviação? Seria um pesadelo. Mas essa não foi a única mudança desde que a morte de Martha pôs um ponto final na existência da espécie Ectopistes migratorius. As florestas do Leste dos EUA eram muito diferentes então: eram grandes e compostas principalmente por castanheiros – mas o cancro do castanheiro acabou com essa paisagem. E estes castanheiros não só eram uma importante fonte de alimento para os pombos-passageiros, como eram um refúgio. Esse habitat desapareceu.

No entanto, há projectos para tentar recuperar os pombos-passageiros – embora sem ambições de voltar a ter aqueles números apocalípticos –, que por terem sido animais tão icónicos nos EUA têm um certo estatuto mítico entre o núcleo de cientistas que se interessam pela “desextinção” de espécies.

Embora estes projectos não estejam tão bem financiados ou avançados quanto os do mamute, foram recuperadas amostras de ADN do pombo-passageiro em animais preservados em museus, e reconstituído grande parte do genoma digitalmente, usando como referência o genoma de outra ave, que é o seu parente vivo mais próximo, o pombo-de-cauda (Patagioenas fasciata).

Recuperar um ecossistema

Nos primórdios da ideia cruzaram-se futuristas como Ryan Phelan e muitos dos cientistas que se interessam por esta área, incluindo George Church, que agora está a dedicar-se ao mamute, e foi criada uma organização, chamada Revive & Restore, com um princípio orientador. “Qualquer projecto em que embarcássemos nunca poderia ser apenas de fazer reviver uma espécie extinta como uma curiosidade; teria de ser também para recuperar um ecossistema”, disse Ryan Phelan, citada pela California Magazine.

E então o pombo-passageiro poderia encontrar um habitat na América do Norte de hoje? Poderiam beneficiar do facto de serem aves “generalistas” – bem equipadas para se adaptarem a novas composições florestais, disse à revista California Magazine Ben Novak, o cientista que lidera a equipa que trabalha no projecto da sua “desextinção”. Novak acredita que o regresso do pombo-passageiro poderia ajudar a reverter a degradação dos habitats – como dizem os cientistas que defendem a introdução de megafauna na tundra siberiana.

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Najin e a filhr Fatou, as duas fêmeas de rinoceronte-branco que são os últimos exemplares vivos desta espécie REUTERS/Thomas Mukoya

Os actuais modelos de perda de biodiversidade apontam para que no próximo século se extingam metade de todas as espécies que hoje vivem. E os cientistas dizem que estamos a passar pelo sexto episódio de extinção em massa no planeta. Mas se vamos tentar reintroduzir uma espécie, a melhor candidata é uma espécie que acabou de se extinguir, ou da qual sobrevivem apenas os últimos exemplares, podendo ainda existir o seu ecossistema, disse o professor de Ecologia da Universidade da Califórnia em Santa Cruz Douglas McCauley à revista California Magazine.

E quem sonha com reviver dinossauros… bem, isso não é possível. Eles desapareceram há 65 milhões de anos, e o limite de sobrevivência do ADN necessário para se tentar a “desextinção” de um animal é de um milhão de anos, disse a bióloga Beth Shapiro, também da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, à revista Smithsonian Magazine.

Por isso se está a tornar cada vez mais comum a preservação de ovócitos, espermatozóides, embriões e outros tecidos de animais que estão em sério perigo de extinção com o propósito de um dia tentar a ressurreição da espécie. O Jardim Zoológico de San Diego, por exemplo, tem o chamado “Zoo Congelado”, onde guarda material genético de mais de 800 espécies e subespécies.

A ideia é que um dia este material genético sirva para reconstituir espécies, recorrendo à mais recente tecnologia, como a ferramenta de edição de genes CRISPR (tesouras moleculares que permitem editar com precisão o ADN). Precisam também, claro, de uma espécie próxima, que sirva de barriga de aluguer – como o elefante asiático, no caso do mamute lanoso, pois os dois mamíferos têm um ADN 99,6% semelhante. Editando alguns genes de mamute no elefante asiático, poder-se-ia produzir um híbrido, com mais ou menos características do mamute – aquilo a que o cientista George Church às vezes chama um “mamofante”, relata o jornal Sydney Morning Herald.

Um exemplo de uma tentativa de salvar uma espécie in extremis é o que está a acontecer com o rinoceronte-branco-do-Norte. Em 2019, já depois de ter morrido o último macho da espécie, Sudan, em 2018, foram criados nove embriões em laboratórios, usando ovócitos das suas últimas fêmeas sobreviventes: Najin, uma filha de Sudan, e Fatu, uma neta. Já este ano, cientistas italianos conseguiram criar mais três embriões, usando espermatozóides de um outro macho, Angalifu, que até agora eram considerados inviáveis.

Agora, o desafio do consórcio BioRescue – composto pelo Instituto Leibniz do Zoo e Investigação sobre a Vida Selvagem (Alemanha), o Safari Park Dvur Králové, na República Checa, o Serviço de Vida Selvagem do Quénia e a organização de conservação da natureza queniana Ol Pejeta é implantar estes embriões em fêmeas de rinoceronte-branco-do Sul, uma espécie próxima. Mas não se pense que será fácil; este é um procedimento delicado, com vários riscos, entre os quais anestesiar um animal de 1700 quilos para fazer uma intervenção cirúrgica.

A extinção será para sempre? Vamos começar a ter respostas em breve.

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