Três portuguesas não desistem de resgatar 258 afegãos

Três grupos de afegãos chegaram nos últimos dois dias a Portugal. Podiam ter sido mais, diz ex-conselheira eleitoral da ONU no Afeganistão, que entregou uma lista de pessoas em risco ao Ministério dos Negócios Estrangeiros.

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Afegãos que tentavam alcançar as forças estrageiras no exterior do aeroporto para lhes tentar mostrar as credenciais que deviam garantir a saída do país, na quinta-feira AKHTER GULFAM/EPA

Primeiro passavam os dias e o desespero aumentava. Agora, contam-se as horas. O maior desespero é o dos afegãos mas há três portuguesas que estiveram no Afeganistão ao serviço das Nações Unidas e que desde que os taliban tomaram Cabul, no dia 15, não largam os telemóveis, em contacto com dezenas de afegãos que com elas trabalharam e que agora temem pela vida. Fizeram uma lista e têm tentado que estas pessoas sejam resgatadas: entregaram a lista ao Ministério dos Negócios Estrangeiros português e conseguiram fazê-la chegar ao Serviço de Acção Externa da União Europeia e ao Departamento de Estado norte-americano.

O tempo escasseia: os Estados Unidos negociaram com os taliban que terminariam a operação de evacuação na terça-feira, 31 de Agosto, e a maioria dos países já pôs fim aos voos. A Portugal chegaram desde sexta-feira três grupos de afegãos – 24 no primeiro voo, com os quatro militares enviados para apoiar a retirada dos afegãos; 18 pessoas num voo fretado, durante a madrugada de sábado; outras 19, no sábado de manhã, num avião C295 da Força Aérea.

Sónia Pereira de Figueiredo, ex-conselheira eleitoral da ONU no Afeganistão, compreendeu quando lhe disseram que a prioridade do Governo português era resgatar os afegãos que colaboraram directamente com as forças portuguesas que estiveram no Afeganistão e no âmbito da cooperação destas com a NATO. O que tem mais dificuldades em perceber é por que é que a lista que entregou ao Governo há mais de uma semana nem sequer foi levada como Plano B pelos militares que coordenaram a retirada.

“Estava prevista a vinda de 116 pessoas… No caso de não poderem vir todos, como aconteceu, podiam ter tentado chamar pessoas da lista… Podiam ter trazido mais gente, estão quase todos contactáveis”, afirma.

“Temos duas famílias prestes a tentar a estrada de Jalalabad para o Paquistão”, diz Sónia Pereira de Figueiredo. “Uma miúda activista kuchi [“tribo semi-nómada pertencente ao grupo étnico dos pashtuns] está escondida em pânico total…”, continua. “Agora estão quase todos em casa, com receio de novos atentados”, diz Carla Lopes, referindo-se ao atentado suicida que na quinta-feira matou pelo menos 162 afegãos e 13 militares norte-americanos junto à entrada do aeroporto de Cabul. “Vão perguntando qual é o portão do aeroporto que está aberto. Sabemos que há vários voos em stand by...” 

Sónia Pereira de Figueiredo fez quatro missões como conselheira e observadora eleitoral da ONU no Afeganistão, entre 2009 e 2019. Carla Lopes, actualmente em missão com a ONU no Mali, integrou entre 2003 e 2005 a missão no Afeganistão (UNAMA), tendo regressado em 2009 e 2014. Eliane Torres trabalhou no país e hoje é investigadora na Universidade das Nações Unidas em Guimarães. Entre as três, os pedidos de afegão desesperados continuam a chegar.

A certa altura, por mais que lhes custasse, tiveram de fechar a lista: são 258 nomes (incluindo familiares das pessoas em risco), entre funcionários da ONU, pessoas que trabalharam com a NATO, membros de organizações não-governamentais envolvidas em projectos financiados pelas Nações Unidas. Na lista há muitas mulheres e vários membros da etnia hazara (dupla minoria, já que em termos religiosos são quase todos xiitas, são particularmente perseguidos pelos taliban).

Entretanto, dos contactos com colegas de outras nacionalidades, a tentarem juntar esforços, a lista passou a duas – uma colega fez chegar o documento das portuguesas ao Departamento de Estado e elas fizeram chegar a lista compilada por essa colega a quem puderam, incluindo ao Ministério dos Negócios Estrangeiros português. “Confesso que no início tive alguma esperança”, diz Sónia Pereira de Figueiredo. Agora é mais duro. “É difícil, mas não podemos perder a esperança”, afirma Carla Lopes.

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