O alerta vermelho

É urgente reduzir as emissões e adaptar o território e isso pode até criar emprego enquanto o fazemos. E isso tudo deve ser já - uma economia que garanta a justiça climática e social não pode esperar mais.

À medida que as temperaturas vão aquecendo em Portugal, em Itália já se quebram recordes: 48,8ºC - nunca se registou uma temperatura tão elevada. O anticiclone Lúcifer está a aquecer o país como nunca, o inferno das alterações climáticas agiganta-se. Só nos primeiros meses deste ano, depois das vagas de calor e incêndios nos EUA, Canadá ou Grécia, e as cheias no centro da Europa ou em vários países asiáticos, o caos climático matou milhares. Já não há lugar para negacionistas.

O IPCC (sigla inglesa de Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas) lançou há dias o seu mais recente relatório. Depois de todos os avisos e alertas do passado, a conclusão mais recente é avassaladora: as alterações climáticas vão chegar mais cedo e com mais força que o até agora previsto.

A poluição por carbono atingiu níveis tão elevados que a meta traçada pelo Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5ºC até ao final do século será ultrapassada em 15 anos. A única alternativa ao desastre é com ações imediatas para reduzir as emissões com efeito de estufa, aceleradas e em grande escala. A questão já não é se a humanidade está em guerra com o planeta, é o que faremos com o pouco tempo que resta para agir.

O cenário traçado pelo IPCC é dantesco. Aqueles que apoucavam Greta Thunberg como demasiado catastrofista ou atacavam os jovens que se manifestavam exigindo salvar o planeta, não conseguem mais negar que a mudança é urgente. Os dados do IPCC mostram que as políticas, portuguesas ou globais, eram insuficientes para o cenário anterior e estão completamente desajustadas para este novo cenário mais severo. Afinal, os jovens eram mesmo os únicos adultos da sala - as elites que não os escutaram são parte do problema.

Já não há margem para dúvidas: o IPCC reafirma que é a atividade humana a causa da crise climática. Isto é, a nossa economia e a forma como nos organizamos são a raiz do problema, sem encarar esta realidade nada de relevante acontecerá e o resultado será aterrador. Houve uma frase de Greta Thunberg que muitos se apressaram a criticar: “a crise climática e ecológica não pode simplesmente mais ser resolvida no quadro dos sistemas políticos e económicos atuais. Isto não é uma opinião, apenas uma questão de matemática”. O IPCC deu-lhe inteira razão. Insistir que será o mercado a resolver os problemas que o mercado criou, como é o caso do comércio de carbono, é premiar com milhares de milhões os grandes poluidores ao mesmo tempo que se agrava os preços à população mais carenciada - e sem qualquer contribuição para a redução de emissões de gases com efeito de estufa.

Basear a resposta ao caos climático em estratégias de fiscalidade verde é insuficiente e um erro repetido em várias paragens. A única consequência é inventar novas formas de castigo às populações com menos rendimentos enquanto garante benefícios fiscais a quem tem mais rendimentos. E, novamente, zero contributo para a redução de CO2. Além disso, as discussões internacionais sobre o combate às alterações climáticas dão muito mais atenção à concorrência entre as várias economias do que em reduzir a fundo as emissões.

Daqui a poucos meses, quando em novembro os chefes de Estado e de Governo mundiais se reunirem em Glasgow na COP26, teremos o verdadeiro teste à vontade política de responder ao caos climático. O problema é que não se antecipa a adoção das mudanças necessárias porque isso colocaria em causa os lucros de alguns ou os interesses geoestratégicos de outros - e para trás fica o planeta.

É urgente reduzir as emissões e adaptar o território e isso pode até criar emprego enquanto o fazemos. Reduzir as emissões significa mesmo isso, uma verdadeira redução das emissões de gases com efeitos de estufa nos setores mais poluentes e não apenas para vender direitos de poluição para outra empresa emitir mais. Descarbonizar e descentralizar a produção de energia e combater a pobreza energética. Transformar a mobilidade individual e na economia, com mais transportes públicos, ferrovia e cidades de 15 minutos. Defender os sumidouros naturais de carbono, adaptar o território e proteger as populações. E isso tudo deve ser já - uma economia que garanta a justiça climática e social não pode esperar mais.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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