Da emergência ambiental para a emergência individual

Mediante uma abordagem de capacitação individual e comunitária será possível exercer pressão sobre os decisores políticos para a adopção de acções legislativas, socioeconómicas e diplomáticas.

Foto
REUTERS/Louiza Vradi

Poderia começar esta crónica com algo semelhante a esta frase: actualmente, encontramo-nos numa encruzilhada climática. Porém, tal afirmação estaria muito distante da realidade. Primeiro, este problema não é actual, sendo que há décadas que os cientistas têm vindo a alertar os vários governos e a opinião pública para a inevitabilidade desta crise. Por outro lado, esta não é já uma encruzilhada, uma vez que o caminho de degradação dos ecossistemas está bem traçado e com repercussões nas vidas das populações, restando somente trabalhar no sentido da sua mitigação.

Se há coisa em que este Verão tem sido pródigo é na constatação da devastação que os fenómenos climáticos extremos poderão ter na vida em sociedade, não fazendo a distinção entre países ricos e em desenvolvimento. Bem perto de nós, pudemos assistir ao desespero de pessoas que perderam bens, familiares e amigos em inundações nunca vistas, enquanto fogos devastadores e temperaturas recorde obtinham resultados semelhantes noutros locais. Mais distante, em zonas como Madagáscar, secas severas causam a fome e a morte.

Só estes exemplos levam-nos a concluir que existirá um aumento generalizado da despesa dos vários governos, seja na resposta aos prejuízos das catástrofes naturais, seja pelo êxodo descontrolado, bem como com a necessidade de reforço dos orçamentos em saúde. Este último campo ficou patente na actual situação sanitária, com os cientistas a estabelecer uma relação directa entre o aumento da probabilidade de novas pandemias e a acção humana sobre o planeta. Prevê-se, ainda, o aumento da mortalidade associada ao calor, às doenças respiratórias e ao agravamento das assimetrias socioeconómicas e regionais. Poderia esse dinheiro começar a ser canalizado para a prevenção e mitigação?

Apesar do pacto global conseguido com o Acordo de Paris, a sua concretização tem ficado aquém das expectativas, conforme relatado no Relatório do IPCC.

Existe, porém, alguma controvérsia sobre o papel individual numa alteração real e significativa do paradigma actual. Considera-se muitas vezes que a mudança de comportamentos individuais não tem, por si só, impacto significativo numa mudança generalizada, sendo uma gota num oceano cada vez mais quente.

De modo a tentar contribuir para esta discussão, socorro-me do modelo socioecológico, onde uma perspectiva holística permite encarar um problema à luz de várias dimensões, desde uma perspectiva individual, à comunitária e social, passando por uma perspectiva política. Todos estes patamares convivem em estreita relação entre si num intrincado sistema de influência mútua. Deste modo, e mediante uma abordagem de capacitação individual e comunitária será possível exercer pressão sobre os decisores políticos para a adopção de acções legislativas, socioeconómicas e diplomáticas.

Concretizando, as escolhas individuais, desde os comportamentos quotidianos mais simples à criação e apoio de movimentos comunitários, poderão influenciar as pessoas e serviços à nossa volta, numa cadeia de consciencialização e acção alargada. Assim sendo, a forma como cada um vive, convive e consome tem um impacto real e considerável sobre o meio. E isso mesmo é já visível no discurso da maioria dos partidos com assento parlamentar, com o ambiente a assumir uma prioridade governativa. O mesmo sucede na UE, através, por exemplo, das recentes exigências à aprovação dos Mecanismos de Recuperação e Resiliência dos vários países.

Como tal, poderão ser os indivíduos o grande motor da mudança ambiental?

Sugerir correcção
Comentar