Férias fiscais: realidade ou farsa?

Todas estas obrigações, a juntar às restantes inerentes à profissão e a um ligeiro ajuste a entregas mandatórias em agosto, permitem de facto dizer que vão existir “férias”? Haverá mesmo o querido mês de agosto para os contabilistas?

“Meu querido mês de agosto!” é uma música conhecida, mas que está longe de ser cantada pelos Contabilistas Certificados. Aquilo que é apelidado pela Direção da Ordem dos Contabilistas Certificados como “Férias Fiscais” mais não é do que um adiar do inevitável.

Este “pacote especial de férias” foi desenvolvido pelo grupo parlamentar do PCP, e que a Ordem dos Contabilistas Certificados aproveitou, embora não fizesse parte do seu programa de ação, que mereceu a aprovação dos grupos parlamentares do PCP, CDS-PP, PSD, PS e do envolvimento do Governo, mas pouco contribui para a dignificação, reputação e reconhecimento do trabalho e valor dos contabilistas certificados.

Num ano atípico, em que os contabilistas foram ainda mais solicitados pelas empresas, que contribuíram para “salvar” o tecido empresarial português, que viram uma décalage entre faturação e recebimentos nunca antes sentida, apenas contam com adiamentos de prazos que em grande parte dos casos traduzem-se em alguns dias… Serão isto férias? Volto a questionar-me.

Segundo alguns, as supostas “férias fiscais” permitem que os contabilistas certificados e os contribuintes disponham de um período – o mês de agosto – em que podem, de forma flexível, cumprir as suas obrigações. Por exemplo, o prazo para a entrega e pagamento das declarações do IVA ou declarações de remunerações é diferido até ao final do mês, permitindo-se um planeamento do período de férias e envio (antecipado ou a posteriori) das declarações fiscais. Mais, os prazos relativos aos atos do procedimento tributário, resposta a pedidos de esclarecimento da AT ou audições prévias passam para o primeiro dia útil do mês de setembro.

O que também não se sabe é como se vai operacionalizar o processo, falta a regulamentação. Por exemplo: a declaração mensal de IVA a entregar até dia 10 de agosto passa a ser entregue até ao final do mês. O sistema está preparado para não aplicar a coima? E se for aplicada, é anulada automaticamente? É necessário um requerimento? É que a coima mínima, para as sociedades, é de 30% do imposto em falta e pode ir até 100%, consoante a gravidade.

E quanto às obrigações contributivas para a Segurança Social? Parece que não estão incluídas no “pack”. Então enviamos a DMR para a Segurança Social até dia 10, mas para a AT pode ser até ao final do mês. Faz sentido? Afinal podemos ou não flexibilizar as datas das diversas obrigações em agosto?

Mas é possível apelidar estes adiamentos como férias fiscais? Os contabilistas não vão continuar preocupados em executar as tarefas para entregar dentro de prazos que foram apenas dilatados? Há realmente espaço para interrupções? Estarão os contabilistas totalmente descansados quanto ao cumprimento de obrigações fiscais?

Ao contrário das Férias Judiciais, nas ditas “Férias Fiscais”, caso os clientes sejam notificados é natural que recorram ao contabilista para os ajudar a resolver a questão, com a maior celeridade. Na verdade, o que e verifica é que, e embora a profissão de contabilistas tenha obrigações muito complexas, não há qualquer salvaguarda, o que continua a colocar o contabilista numa situação desfavorecida e tantas vezes delicada.

Ao mesmo tempo que parece haver um “descanso” em agosto, o que todos fazem por esquecer é aquilo que 2021 representou em termos de acréscimo de responsabilidades para os Contabilistas Certificados, foram até introduzidas novas obrigações mensais, para além das já muito exigentes obrigações declarativas periódicas. Foi necessário hierarquizar prioridades, com vista a dar cumprimento às várias solicitações, por parte das empresas e empresários em nome individual, para aceder aos vários apoios disponibilizados pelo Governo, em resultado dos efeitos da pandemia provocada pela covid-19.

A preparação do encerramento de contas das empresas é uma atividade de grande exigência técnica e científica, com necessidades de informação que nem sempre está imediatamente disponível, agravada com um período em que a circulação esteve extremamente limitada – e a desmaterialização ainda está longe de corresponder aos ganhos com o acesso físico aos mais variados documentos. E esta obrigação foi adiada por três meses, para 30 de junho de 2021.

No que respeita à IES, também é necessário o cuidado e tempo adequado para o devido preenchimento, atentas as centenas de regras existentes e muitas validações constantes nesta declaração, tantas delas em desconformidade com as regras contabilistas e o conteúdo das demonstrações financeiras aprovadas em Assembleia Geral das Sociedades. Esta declaração é normalmente enviada 45 dias após a declaração modelo 22, foi adiada mais alguns dias.

Ora todas estas obrigações, a juntar às restantes inerentes à profissão e a um ligeiro ajuste a entregas mandatórias em agosto, permitem de facto dizer que vão existir “férias”?

Haverá mesmo o querido mês de agosto para os contabilistas?

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

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