Tabaqueira Philip Morris diz que quer um mundo sem cigarros em dez anos

O CEO da tabaqueira Philip Morris International, Jacek Olczak, defendeu que um mundo sem cigarros “seria melhor para todos” mas está a ser acusado de hipocrisia pelos movimentos antitabaco.

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Nuno Ferreira Monteiro

O administrador executivo (CEO) da gigante tabaqueira Philip Morris International defendeu que o Governo britânico devia proibir os cigarros dentro de uma década, num movimento que iria banir a sua própria marca Marlboro, anunciou o diário britânico The Guardian. Citando Jacek Olczak, a notícia refere que o responsável pela multinacional argumentou que os cigarros devem ser tratados como os carros a gasolina, cuja venda será proibida a partir de 2030.

Apesar de não deixarem de ser declarações surpreendentes, a defesa de um mundo sem cigarros apresentada pelo CEO da Philip Morris International (PMI) não é nada de novo. Aliás, quando tomou posse como presidente executivo da PMI em Maio deste ano, a empresa confirmou esta inesperada intenção de Jacek Olczak num comunicado de imprensa oficial.

“Ao aceitar a nomeação, Jacek Olczak comprometeu-se a acelerar a transformação para um mundo sem fumo da PMI, anunciada em 2016”, referia o texto adiantando que “a empresa está comprometida em desenvolver, comprovar cientificamente e comercializar de forma responsável produtos sem combustão e sem fumo que sejam menos nocivos do que fumar, com o objectivo de substituir os cigarros o mais rapidamente possível”. E, já nessa altura, Jacek Olczak anunciou: “Sinto-me honrado e entusiasmado por liderar a PMI à medida que aceleramos a nossa transformação para uma empresa sem fumo. A PMI é uma empresa líder na indústria e na inovação científica e a nossa ambição é que grande parte das nossas receitas líquidas venha de produtos sem fumo em 2025”.

Pouco tempo depois da tomada de posse como CEO da PMI, Jacek Olczak começou mesmo a fechar alguns negócios que pretendem ajudar a fazer esta mudança para uma fonte alternativa de lucro. Este mês, a empresa lançou uma oferta pública de aquisição sobre a Vectura, uma empresa farmacêutica britânica que fabrica inaladores para a asma, por 1,16 milhões de euros (mil milhões de libras). 

No início de Julho, a PMI também gastou 691 milhões de euros na compra da Fertin Pharma, uma empresa dinamarquesa, fabricante de produtos farmacêuticos orais e sistemas de aplicação intraoral que fabrica pastilhas de nicotina, afirmando-se como líder de mercado na produção de soluções de terapia de reposição de nicotina (NRT). A tabaqueira anunciou que já investiu mais de 9,9 mil milhões de euros para diversificar a sua carteira de negócios e, alegadamente evoluir para um empresa mais ampla de saúde e bem-estar, acelerando o fim do tabagismo. A ideia, insistem, é alterar o portfólio de produtos.

A notícia do Guardian cita Jacek Olczak numa entrevista ao Sunday Telegraph a afirmar que uma” acção governamental acabaria com a confusão sentida pelos fumadores, alguns dos quais ainda pensavam que as “alternativas são piores do que os cigarros”. “Dê-lhes uma escolha de alternativas livres de fumo... com a regulamentação e informação certa, isso pode acontecer daqui a dez anos em alguns países”. Pode resolver o problema de uma vez e para sempre”, afirmou.

Novos clientes para a nicotina

Apesar deste anúncio reiterado que parece cheio de boas intenções, a empresa foi fortemente criticada por movimentos antitabagistas que a acusam de hipocrisia. Os activistas e vários especialistas em saúde pública argumentam que as empresas de tabaco se estão a posicionar como parte da solução para um mundo sem fumo, enquanto continuam a vender e a promover agressivamente os cigarros.

A verdade é que há já muito tempo que as empresas tabaqueiras têm vindo a mudar para alternativas ao cigarro, tais como os cigarros electrónicos. Aliás, Jacek Olczak é apresentado pela própria empresa como “um motor vital da transformação para uma PMI sem fumo, que teve início [em 2014] com a comercialização do IQOS [um dispositivo que aquece o tabaco para fornecer nicotina sem o fumo e alcatrão]”.

No início do ano passado, a Organização Mundial da Saúde acusava a indústria do tabaco de gastar um milhão de dólares por hora a tentar vender os seus produtos e de querer viciar as crianças e jovens em cigarros electrónicos como se fossem doces. “Têm um orçamento gigantesco para marketing. Gastam em média um milhão de dólares por hora porque precisam de encontrar utilizadores para substituir os oito milhões que morrem prematuramente todos os anos”, afirmou o coordenador da unidade Sem Tabaco da OMS, Vinayak Prasad, numa conferência de imprensa virtual.

Muitos especialistas de saúde pública também já lançaram o alerta há já algum tempo: mais do que uma alternativa aos cigarros, os e-cigarros são uma forma de criar uma nova geração de dependentes da nicotina. A autoridade norte-americana do medicamento (FDA) autorizou a comercialização do IQOS da PMI, por exemplo, como “um produto de tabaco de risco modificado”. As tabaqueiras defendem que as pessoas que trocaram os cigarros tradicionais por estes “dispositivos” devem ser consideradas como pessoas que “deixaram de fumar”.

De acordo com um estudo publicado recentemente na revista The Lancet, “o tabagismo matou 7,7 milhões de pessoas em 2019, ano em que o número de fumadores aumentou para 1,1 mil milhões, revelam estimativas mundiais divulgadas no final de Maio, acrescentando-se que 89% dos novos fumadores ficaram viciados aos 25 anos.

Em Portugal Continental, a prevalência de fumadores terá descido nos últimos cinco anos e em 2019 foi de 16,8%, o que representa menos 3,1 pontos percentuais face a 2014, refere o relatório do Programa Nacional para a Prevenção do Controlo do Tabagismo da Direcção-Geral da Saúde (DGS), divulgado no final de Junho. 

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