O estranho caso dos autotestes

Querem agora que fiscalizemos a realização de autotestes nas mesmas condições ou também pode ser à porta?! É que nós, farmacêuticos, levamos a saúde pública a sério e compreendemos os riscos destas medidas imediatistas, que vão do 8 ao 80…

No princípio, havia os testes rápidos de antigénio que só podiam ser feitos em locais devidamente registados e certificados, por profissionais devidamente habilitados e certificados, com instalações adequadas e equipamento de proteção individual adequado. Estes locais tinham, e têm, obrigatoriamente de comunicar informaticamente todos os testes feitos e seus resultados, positivos ou negativos.

Depois, decidiu-se expandir a utilização deste tipo de testes permitindo a sua utilização como autotestes. Com as devidas adaptações de embalagem e informação ao utilizador, sujeitas a aprovação pelo Infarmed, era permitida a venda destes em farmácias e outros espaços de saúde. No entanto, segundo circular conjunta do Infarmed e da DGS de 19 de março, não é permitido a realização do autoteste nos locais de dispensa.

Com as novas regras impostas pelo Governo na semana passada, é agora necessário apresentar certificado digital covid ou um teste negativo para aceder a hotéis e a restaurantes, mas somente durante o fim-de-semana e nos concelhos de maior risco para estes últimos. Assim, para quem ainda não tem a vacinação contra a covid-19 completa, é necessário um teste PCR negativo com até 72h, ou um teste rápido de antigénio com até 48h verificado por entidade certificada.

É também aceite teste rápido, na modalidade de autoteste, desde que feito na presença de “profissional de saúde ou da área farmacêutica que certifique a realização do mesmo e o respetivo resultado” com até 24h, indicando-se que pode ser feito na farmácia. Confesso que não compreendo esta opção, à luz das regras atualmente em vigor e que proíbem a realização do autoteste no local de dispensa do mesmo, nem como será feita a referida certificação. Além disso, quem deve confirmar a correta realização do teste – a recolha da amostra e execução do teste - terá de ser alguém previamente habilitado e certificado para os fazer e, no caso das farmácias, somente os farmacêuticos podem-nos fazer. Sendo os farmacêuticos profissionais de saúde, quem são os profissionais da área farmacêutica a que se referem?

Mas, na hipotética situação de alguém chegar ao hotel ou restaurante e não tiver certificado nem feito nenhum dos testes atrás referidos, o autoteste pode ser feito no momento à porta do restaurante ou do hotel para permitir a frequência desses espaços, sob supervisão de responsáveis destes locais, para confirmar o resultado do teste. Chegado a este ponto fico sem saber o que pensar…

Durante o fim-de-semana vimos que estes locais já se estavam a adaptar a estas novas regras. Adquiriram autotestes para fornecer aos seus clientes e alguns hotéis instalaram balcões com acrílicos e espelhos nas suas entradas, tudo para a maior comodidade dos seus clientes. E eu pergunto-me, quem está a verificar sabe efetivamente avaliar a recolha da amostra e execução do autoteste? A proteção desse funcionário está garantida? Existem protocolos e normas para o que fazer em caso de resultado positivo? O que fazem com os resíduos dos testes? E onde está garantida a privacidade da pessoa que realiza o autoteste?

É que nas farmácias, naquelas registadas e que atualmente fazem os testes rápidos, existem gabinetes apropriados, limpos e desinfetados. É obrigatório a utilização de equipamento de proteção individual adequado, a recolha é feita por profissionais devidamente habilitados para tal e os resultados são validados e reportados para o SINAVE. É um processo moroso, burocrático e dispendioso. Querem agora que fiscalizemos a realização de autotestes nas mesmas condições ou também pode ser à porta?! É que nós, farmacêuticos, somos obrigados a sigilo profissional sobre os dados de saúde, levamos a saúde pública a sério e compreendemos os riscos destas medidas imediatistas, que vão do 8 ao 80… mas em Portugal não percebemos o que querem de nós.

O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico

 

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