Pessoas vacinadas que adoecem com covid-19: são mais do que esperamos?

Algumas notícias fazem-nos questionar a efectividade das vacinas e da própria campanha de vacinação. Era de esperar que isto acontecesse?

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Daniel Rocha

A vacinação contra a covid-19 avança em bom ritmo em Portugal e já mais de metade dos residentes no país receberam pelo menos uma dose de vacina. As vacinas conferem protecção elevada contra doença grave e morte. Todas elas.

Somos, contudo, surpreendidos por notícias de pessoas que adoecem, por vezes gravemente, apesar de estarem completamente vacinadas. Também nos surpreende que, entre os novos casos de doença, possam surgir pessoas com idades fortemente cobertas pela vacinação, como é o caso dos idosos, mas que afinal ainda não estavam vacinadas.

Estas notícias fazem-nos questionar a efectividade das vacinas e da própria campanha de vacinação. Era de esperar que isto acontecesse?

A resposta curta é sim. É uma consequência pouco intuitiva de uma grande campanha de vacinação em massa feita com vacinas que não são 100% eficazes, como, aliás, acontece com todas as vacinas. Vejamos alguns exemplos simples que nos ajudem a compreender.

Suponhamos que todos os portugueses com mais de 80 anos estavam vacinados com uma vacina que confere 95% de protecção contra doença grave e morte. Se isto acontecesse, a doença praticamente desapareceria dessas idades, mas os poucos casos graves e os óbitos ocorreriam todos em indivíduos vacinados. Estes indivíduos pertencem aos 5% que a vacina não protegeu e não ficaríamos surpreendidos pelo total domínio de vacinados entre os casos graves. Isto não põe em causa a eficácia da vacina.

Avancemos para um exemplo mais realista. Neste momento em Portugal, só cerca de 90% de pessoas com mais de 70 anos estão completamente vacinadas. Há portanto 10% desprotegidas por falta de vacinação. Mas também há 5% de vacinados que não estão protegidos, porque, recorde-se, a vacina não é totalmente eficaz. A percentagem de pessoas vacinadas que não estão protegidas é 4,5% (= 90% x 5%).

Assim, entre os maiores de 70 anos, há um total de 14,5% de pessoas desprotegidas, a soma dos 10% não vacinados com os vacinados em que a vacina não foi eficaz (4,5%). Novamente, o número de casos de doença grave nestas idades deverá ser muito baixo, porque a grande maioria destes idosos está protegida. Contudo, verificamos que cerca de um em cada três doentes graves estaria totalmente vacinado! (4,5% em 14,5%). Ora... se ouvirmos dizer que 1/3 dos doentes graves estavam vacinados... podemos ficar apreensivos. Mas não há razão para isso.

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Manuel Carmo Gomes

1ª conclusão: com uma vacina que não é 100% eficaz e coberturas vacinais muito elevadas, iremos observar muito poucos casos de doença, mas poderemos ficar com a impressão de que há demasiados vacinados entre os casos graves e os óbitos.

Evidentemente, se as notícias que lemos se focarem muito no facto de que a última pessoa que morreu estava vacinada, perderemos a perspectiva geral. Mesmo com uma vacina altamente eficaz (por exemplo, 95%), podemos encontrar uma proporção elevada de pessoas vacinadas entre os óbitos. Não obstante, houve um número muito maior de óbitos que foram evitados e que são “invisíveis”.

E quanto à nossa perplexidade relativamente a encontrarmos entre os doentes um grande número de pessoas não vacinadas, apesar de a cobertura vacinal ser muito elevada? O último exemplo também responde a esta pergunta. Apesar de a cobertura vacinal dos maiores de 70 anos ser de 90%, que é um valor elevado, vamos ainda encontrar entre os doentes uma maioria de não vacinados. No exemplo dado, cerca de 2/3 dos doentes não estavam vacinados.

2ª conclusão: com uma cobertura vacinal que não seja de 100%, a administração de uma vacina que não seja 100% eficaz tem resultados que nos parecem inesperados, se confundirmos um pequeno número de árvores com a floresta. A floresta é a imensidão de casos de doença que são evitados, mas que só se tornam “visíveis” quando nos perguntamos o que aconteceria, se não houvesse vacinação.

Mesmo depois de 15 meses de pandemia, ainda há milhões de portugueses que poderão contrair a infecção pelo novo coronavírus, caso não sejam vacinados. Uma infecção respiratória com as características da nova variante Delta do SARS-CoV-2, pode potencialmente infectar quase toda a população.

Até à data, temos conhecimento de cerca de 900 mil portugueses que já foram infectados, mas sabemos que houve muitos mais. Admitamos que três ou quatro vezes mais, com base nos inquéritos serológicos do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. Mesmo assim, sem vacinação, mais de seis milhões de portugueses ainda poderiam ser infectados, seria apenas uma questão de tempo.

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