TC declara inconstitucionais normas sobre sistema educativo da lei da autodeterminação de género

Questão da escolha das casas de banho a frequentar pelos alunos, na regulamentação da lei, causou polémica em 2019.

Foto
Regulamentação da lei prescreveu que crianças e jovens devem aceder às casas de banho que escolherem, em função da sua identidade de género. TC não pôs isso em causa Nuno Ferreira Santos

Sem se pronunciar sobre o conteúdo da lei, o Tribunal Constitucional (TC) declarou inconstitucional a lei do Governo sobre autodeterminação de género, publicada em 2018, por violação da competência exclusiva do Parlamento para legislar sobre a matéria.

Em causa estão os n.ºs 1 e 3 do artigo 12.º da lei, que incumbem o Governo, mais concretamente os titulares das áreas da Igualdade de Género e da Educação, de implementar em 180 dias as soluções administrativas necessárias para o Estado garantir, “em todos os níveis de ensino e ciclos de estudo”, a adopção de medidas “que promovam o exercício do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género e do direito à protecção das características sexuais das pessoas”. Para o TC, estas normas são inconstitucionais, porque atribuem ao Governo o dever de regulamentar matérias relativas a Direitos, Liberdades e Garantias que, enquanto tais, só podem ser definidas por lei, pela Assembleia da República.

“O Tribunal Constitucional declarou inconstitucionais as normas relativas à promoção do direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género no âmbito do sistema educativo, por entender que violam a reserva de lei parlamentar”, adianta um comunicado divulgado nesta terça-feira. “O Tribunal não se pronuncia sobre a substância daquelas normas, no que diz respeito à proibição da programação ideológica do ensino pelo Estado e à liberdade de programação do ensino particular”, lê-se ainda no comunicado.

A alegada violação da proibição da programação ideológica de ensino foi, aliás, uma das questões que um grupo de 86 deputados, do PSD, CDS e PS, levantou, no pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade da lei n.º 38/2018, de 7 de Agosto, que dirigiu ao TC . A decisão do tribunal “deixa intocada a garantia do direito à identidade de género e de expressão de género e a proibição de discriminação no sistema educativo” - que, refira-se, não é posta em causa por aquele grupo de deputados - acrescenta o comunicado.

Ainda segundo o TC, o tribunal não apreciou os fundamentos do pedido de fiscalização referentes a uma alegada imposição de uma “ideologia de género” no ensino, esse sim, um argumento invocado pelos 86 deputados, e centrou-se nas alegações de uma violação do direito de reserva legislativa do Parlamento.

“O Tribunal começou a apreciação do pedido pelo segundo dos fundamentos invocados. Entendeu-se que se, como defendiam os requerentes, a definição do conteúdo das medidas de protecção previstas na lei tem lugar, não no nível do diploma legal que as prevê, mas no nível administrativo para o qual este reenvia a sua regulamentação, a principal questão de constitucionalidade diz respeito a saber se o objecto do reenvio integra a reserva de lei. Sendo esse o caso, as normas legais não têm densidade suficiente para a apreciação do primeiro fundamento”, explica-se no comunicado.

A lei de 2018 provocou polémica em 2019, quando foi publicada a regulamentação, com PSD e CDS-PP a serem os mais críticos do diploma que estipula que as escolas “devem garantir que a criança ou jovem, no exercício dos seus direitos, aceda às casas de banho e balneários, tendo sempre em consideração a sua vontade expressa e assegurando a sua intimidade e singularidade”.

Em Julho de 2019, ainda na anterior legislatura, o requerimento da fiscalização da constitucionalidade foi elaborado pelos deputados do PSD Miguel Morgado, Nilza Sena e Bruno Vitorino e foi assinado, entre outros, pelo então líder parlamentar do PSD, Fernando Negrão, pelos sociais-democratas Maria Luís Albuquerque, Hugo Soares, Adão Silva ou Marques Guedes, e pelos democratas-cristãos João Almeida, Pedro Mota Soares, Telmo Correia ou Filipe Anacoreta Correia, entre outros, totalizando um número muito acima dos 23 parlamentares exigidos pela Constituição para estes pedidos.

Sugerir correcção
Ler 13 comentários