Bélgica, experiência e talento a ferver sob pressão

As dinâmicas do trio mais adiantado dos belgas são uma potencial dor de cabeça para Portugal, que terá no condicionamento da saída de bola do adversário uma arma interessante.

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Reuters/ANATOLY MALTSEV

Por si só, o ranking da FIFA nunca será um instrumento suficientemente fiável para medir a qualidade de uma selecção. Traduz uma sequência positiva de resultados (no caso apenas uma derrota nos últimos 26 jogos), mas pouco ou nada nos diz sobre o sistema, o modelo de jogo, as dinâmicas, os intérpretes ou o plano de voo habitual de uma equipa. A Bélgica lidera a hierarquia por mérito próprio, é certo, goza de uma geração com muito talento e conta com um seleccionador competente, mas também tem fragilidades. E caberá a Portugal saber aproveitá-las no domingo à noite (20h), em Sevilha.

A campanha dos belgas na fase de apuramento para o Euro 2020 foi absolutamente demolidora: 10 jogos, 10 vitórias, 40 golos marcados e somente três sofridos, num ciclo que incluiu duas selecções que marcaram presença no torneio (Rússia e Escócia). A tendência tem-se mantido na fase final do Europeu, com mais três triunfos na fase de grupos, às custas da Rússia (novamente), Dinamarca e Finlândia, e uma qualificação sem espinhas para os oitavos-de-final da competição. Mas a partida da 2.ª jornada trouxe alguns dados interessantes para os adversários.

Sistema e estratégia

Desde que o espanhol Roberto Martínez tomou conta da selecção da Bélgica, há cinco anos, que o sistema preferencial tem sido o 3x4x3 (ou 3x4x2x1). Um desenho táctico que assenta na tremenda experiência do núcleo defensivo (Vertonghen, Vermaelen e Alderweireld estão todos acima dos 32 anos), na qualidade de passe de pelo menos um dos médios interiores, no equilíbrio na abordagem dos dois alas e na mobilidade dos extremos, que, juntamente com o avançado, têm especial apetência para ataques rápidos.

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O 3x4x3 da Bélgica em organização ofensiva

Se olhássemos apenas para o sistema, poderíamos adivinhar problemas para Portugal idênticos aos que enfrentou (e não soube resolver) diante da Alemanha, mas as dinâmicas e a abordagem ao jogo são francamente diferentes. Estrategicamente, a Bélgica tem sido uma selecção menos pressionante sobre a saída de bola do adversário, convidando-o a subir o bloco, para poder lançar contra-ataques ou ataques rápidos mal consiga recuperá-la.

E aqui entra uma nuance do jogo idealizado por Roberto Martínez. Kevin de Bruyne, o pensador por excelência e o elemento diferenciador, troca muitas vezes de posição com Lukaku, surgindo o criativo do City no eixo e o avançado do Inter Milão no corredor direito. Mesmo em zonas baixas do terreno, a tremenda capacidade física do goleador permite-lhe rodar e acelerar rumo à área contrária, gerando desequilíbrios que depois aproveita para finalizar ou para assistir.

Defesa e meio-campo

A regra tem sido uma defesa com uma linha de três no momento ofensivo (habitualmente composta por Alderweireld, sobre a direita, Denayer e Vertonghen, sobre a esquerda), que se converte numa linha de cinco quando a equipa não tem bola e é obrigada a baixar, recuando os alas. A complementaridade dos jogadores nos corredores laterais, com Meunier mais capaz defensivamente, à direita, e Thorgan Hazard ofensivamente mais acutilante, à esquerda, garante algum equilíbrio.

Habituada a construir curto na saída de bola, a Bélgica tem, porém, dificuldades quando pressionada — o golo de Poulsen, após um erro clamoroso de Denayer diante da Dinamarca, é um exemplo claro. E mesmo quando consegue solicitar os médios, nem sempre é eficaz a chegar a zonas de criação: uma coisa é o jogo mais geométrico de Witsel, outra a maior rotação, mas com menos critério, de Tielemans. A alternativa para o corredor central é Dendoncker, que fica a perder para qualquer dos dois colegas de sector na fiabilidade do passe.

Dúvida no ataque

Com Dries Mertens a atravessar um momento discreto e Kevin de Bruyne em crescendo, depois da lesão, a dúvida relativamente à dupla que vai alimentar Lukaku reside essencialmente sobre o corredor esquerdo: Ferreira-Carrasco ou Eden Hazard? Um extremo mais vertical e com capacidade de jogar entre linhas ou um segundo avançado fortíssimo em posse e tremendo na definição?

Seja qual for a escolha de Roberto Martínez, é da mobilidade do trio (que se dispõe normalmente em 2x1) e da capacidade de aceleração que vive muito do jogo ofensivo dos belgas. Lukaku, já se sabe, é tão forte a dominar e a proteger a bola de costas para a baliza, como a rodar para encarar o jogo de frente. Poderoso nos duelos aéreos, serve também de referência para as primeiras e segundas bolas sempre que a equipa é forçada a jogar mais longo.

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Nos pontapés de canto, a tendência é de posicionamento ao segundo poste para depois atacar a zona central

Entre as rotas habitualmente escolhidas para atacar a baliza adversária, destacam-se duas: a ligação curta defesa/meio-campo, sucedendo-se um passe vertical para quebrar linhas e fazer a bola chegar ao último terço;  noutros momentos, à ligação defesa/meio-campo segue-se a procura da largura e da superioridade nos corredores laterais, com o intuito de gerar cruzamentos na direcção da cabeça de Lukaku. 

Seja qual for o guião, uma coisa é certa, será interpretado por alguns dos jogadores mais talentosos do Europeu, com Kevin de Bruyne, candidato a melhor jogador do torneio, acima de todos os outros. Esta é, de resto, uma das melhores gerações do futebol belga, há anos à procura de um título para se legitimar.

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