Diplomacia e ciência andam de mãos dadas — e este webinar vai debater o porquê

As associações de graduados portugueses no estrangeiro organizam um webinar sobre diplomacia científica, um tema com pano para mangas para se discutir e reflectir. No debate, a 29 de Maio, estará presente o ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, bem como a secretária de Estado das Comunidades Portuguesas.

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Nelson Garrido

É um “tema super interessante”, mas também “recente” e “muito abrangente”; por isso, ainda não há “uma definição que seja comummente aceite”. E é também por isso que é importante discuti-lo. De que falamos? Da diplomacia científica. Este sábado, 29 de Maio, há um webinar organizado pelas associações de graduados portugueses no estrangeiro que querem, precisamente, saber o que é a diplomacia científica — e perceber “quem são os seus actores”, para além de reflectir acerca do seu papel na matéria. O evento, aberto a todos, está marcado para as 17h (hora de Lisboa) e contará com a presença do ministro da Ciência, Tecnologia, e Ensino Superior, Manuel Heitor, numa mesa redonda onde estarão também a secretária de Estado das Comunidades Portuguesas, Berta Nunes, e José Paulo Esperança, vice-presidente da Fundação da Ciência e Tecnologia (FCT), entre outros oradores.

Quem caracteriza o termo ao P3 é João Pinto, doutorando em Ciência Política e Relações Internacionais e membro da Associação Portuguesa de Estudantes, Investigadores e Graduados na Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo (APEI Benelux). Para João, é importante trazer esta conversa “para fora” dos gabinetes institucionais, ainda que seja nesse lugar “que a discussão tem de acontecer”. E é mesmo “a primeira vez que um evento deste tipo” acontece no contexto português.

Márcia Costa, presidente da PARSUK (Associação Portuguesa de Investigadores e Estudantes no Reino Unido) para o mandato de 2020-2021, perspectiva que o webinar seja “muito focado” na actuação “das associações da diáspora” no âmbito da diplomacia científica, ao mesmo tempo que se juntam “dois grandes ministérios”, que mostrarão de que forma têm vindo a colaborar neste sentido, e aos quais se junta a FCT. “Será colocada uma questão que é uma faca de dois gumes: vamos perguntar-lhes como poderemos contribuir, o que eles acham que pode ser o nosso papel, mas também vamos questionar o que eles podem fazer por nós”, adianta.

Uma relação a dois em três actos

E o que é, então, a diplomacia científica? As duas palavras já indicam alguma coisa: “É o cruzamento entre a ciência e a diplomacia, mas é mais diplomacia do que ciência. É uma forma de exercer diplomacia através da ciência”, explica o investigador. Há que ter em atenção que não devemos confundi-la com “colaboração científica internacional”, porque a diplomacia científica tem sempre “actores políticos”. “É uma convivência que nem sempre é fácil, já que a diplomacia, por definição, é compromisso; já a ciência procura a verdade e na verdade não pode haver compromisso”, acrescenta.

Por isso, a ciência, nesta relação, “não tem sentido de ganho político”, diz Márcia. “O grande objectivo é perceber como é que a ciência pode impactar a sociedade e como pode servir de base para decisão política”, resume. Há vários exemplos. A cooperação entre países na procura de soluções para a pandemia e a vacinação é um deles, e bem recente, bem como o Acordo de Paris. Esse, aprofunda João, é um dos “três grandes eixos” da diplomacia científica segundo o New Frontiers of scientific diplomacy, de 2010: “a ciência na diplomacia”. Quer isto dizer que se procura “dotar a diplomacia de conhecimento científico para garantir que as decisões diplomáticas e políticas são tomadas com o devido aconselhamento científico”.

Os outros dois falam do papel de uma área noutra. O ramo da diplomacia para a ciência refere-se “à diplomacia a partir das embaixadas que consegue criar condições para parcerias científicas”, facilitando esse processo; já o ramo da ciência para a diplomacia inverte essa relação. “É o contrário: quando os diplomatas não se falam, não se entendem, são os cientistas, que estão numa área de trabalho despolitizadas, ou que assim deveria ser sempre, e que criam condições para que se chegue a um acordo e se aproximem diplomatas”, explica. Isso acontece, por exemplo, com o SESAME, o maior centro de investigação no Médio Oriente centrado na emissão de radiação sincrotrónica que junta cientistas do Bahrein, Chipre, Egipto, Irão, Israel, Jordânia, Paquistão, Autoridade Palestiniana e Turquia.

Fazer diplomacia científica sem lhe dar “esse nome”

Para além da PARSUK e da APEI Benelux, fazem parte da organização deste evento a Associação de Diplomados Portugueses em França (AGRAFr), a Associação dos Graduados Portugueses na Suíça (AGRAPS), a Associação de Pós-Graduados Portugueses na Alemanha (ASPPA), a Portuguese American Postgraduate Society (PAPS) e a Investigadores e Profissionais portugueses na Europa Nórdica (SPOT Nordic). Todos juntos constituem o GraPE, cuja sigla não corresponde a uma associação, mas sim ao Fórum Anual de Graduados Portugueses no Estrangeiro.

E todas estas associações “têm vindo a fazer diplomacia científica sem lhe dar esse nome”. “Um dos pilares são os cientistas e os investigadores, e um grande papel que as nossas associações têm é funcionar como redes de transferências de conhecimento. Organizamos, conhecemos, sabemos qual o papel dos nossos membros e promovemos o seu conhecimento. E isso pode ser facilmente comunicado ao Governo e a outras entidades”, considera Márcia. Em 2019, por exemplo, a FCT assinou com a PARSUK um protocolo, válido até 2021, “para promover a comunicação na comunidade portuguesa de investigadores e estudantes no Reino Unido”, visando ainda fomentar a diplomacia científica entre os dois territórios e “aproximar as comunidades científicas” de ambos. 

Para além disso, existe a Resolução do Conselho de Ministros n.º 78/2016, que “define um conjunto de orientações gerais para a articulação da política de internacionalização do ensino superior e da ciência e tecnologia com as demais políticas públicas de internacionalização”. Para João, este é “um entendimento muito feliz” entre o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Esta articulação prevê que o primeiro esteja “responsável pela política de internacionalização no seu domínio sectorial”, ao passo que o segundo está “responsável pela coordenação geral da acção do Governo na frente europeia e externa” através da Secretaria de Estado das Comunidades Portuguesas. “A secretaria lidera este movimento, mas a FCT é que a realiza no terreno. Já aí a resolução faz a ligação de que a diplomacia vem antes da ciência.” 

Ainda assim, aponta o investigador a viver na Bélgica há cinco anos, “há muito a fazer do ponto de vista prático”. “Portugal tem de ter uma diplomacia científica muito forte, tem de ser central. Tem de haver um trabalho a montante, com bons centros de investigação. Há países que por si só conseguem atrair investigadores estrangeiros. Portugal tem de estar dotado desta intervenção internacionalista e atrair mais cérebros para o país”, opina. Ao mesmo tempo, acrescenta, o país “deve permitir que os nossos cérebros, quando vão para o estrangeiro, não fiquem totalmente perdidos de Portugal”. E é aí que associações como a APEI Benelux ou a PARSUK entram. Porque, como diz Márcia, são essas redes que acabam “por criar pontes através de pessoas”, entre o país de origem e o país que as acolhe para a investigação. “É fazer o papel de diplomata sem estar no Governo. Somos um bocadinho embaixadores de Portugal.” 

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