Depois do boom de adopções no confinamento, há cães a serem devolvidos no Porto

Em 2020, o primeiro confinamento levou muitos portugueses a adoptar um animal de estimação. Um ano depois e com o progressivo desconfinamento, há animais a serem devolvidos e a sofrer as consequências “traumatizantes” de estarem sozinhos durante grande parte do dia.

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Filipa Fernandez

O confinamento em 2020 trouxe associado um boom de pedidos de adopção de animais na região do Porto, uma solução que associações contactadas pela Lusa revelaram ter causado problemas de saúde, sobretudo aos cães, assim que o país desconfinou.

Os efeitos colaterais da chegada da covid-19 pesaram também na vida dos animais adoptados no primeiro trimestre de 2020, depressa passando das 24 horas de companhia humana durante o confinamento para 12 horas de solidão assim que as pessoas retomaram as suas rotinas profissionais e escolares, situação que segundo Lígia Andrade, da Associação Midas, “traumatizou os animais”.

“A partir de Março de 2020, houve um boom de pedidos de animais para adopção e, no nosso caso, porque já tínhamos confinado, apenas tratamos as adopções que haviam chegado antes do país fechar”, explicou à Lusa a responsável da associação de Matosinhos. Nesse contexto, criaram a campanha “O animal não é apenas para confinar”, sensibilizando as pessoas para a “responsabilidade que é adoptar um animal”, disse Lígia Andrade.

“Actualmente, estamos a receber muitos pedidos para entregar animais, alegando as pessoas que os encontraram, recolheram ou adoptaram, sendo que esses animais nem sequer têm um ano de idade, ou seja, foram para as famílias após a chegada da pandemia e agora as pessoas querem entregá-los”, observou.

Entre os motivos invocados, descreveu, estão o “mudar de casa, despejos ou emigração”, contou a responsável da associação, que anualmente entrega “300 animais para adopção” e apresenta uma “taxa de devolução inferior a 1%”. “São muitos por dia, muitos pedidos de ajuda da mais variada ordem. Até houve casos de cães cujos donos tinham morrido por causa da covid-19, como aconteceu em Março e Abril deste ano”. Conclui Lígia Andrade que “a covid-19 ajudou a inflacionar o problema”.

“Findo o confinamento, as pessoas retomaram os seus ritmos normais, indo trabalhar ou para a escola e o animal passa a ser um empecilho, passando de um cenário de 24 horas na companhia dos humanos para 12 horas de solidão, o que os faz entrar em depressão, sendo que não têm a nossa capacidade para o manifestar”, disse.

Ângela Lima, do Cantinho do Tareco, um gatil na Maia, viveu em dobro o aumento da realidade em 2020, confirmando à Lusa ter aumentado o número de gatos adoptados, mas também de animais recolhidos, uma missão para a qual a associação que integra contou com uma ajuda extra.

“Tivemos muitas adopções de gatos em 2020, mas também acolhemos mais gatos que o normal, pois conseguimos arranjar famílias de acolhimento temporário para ficarem com as ninhadas”, explicou.

Questionada sobre se tinha recebido pedidos de devolução de gatos alegando que estes passaram a estar sozinhos em casa, a responsável minimizou a questão. “A solidão nos gatos ​não se manifesta da maneira agressiva como a que é descrita no caso dos cães. Os gatos são mais independentes e, ao mesmo tempo, mais reservados”, sublinhou.

A Cerca - Abrigo dos animais abandonados, na Póvoa de Varzim, segundo a responsável Raquel Nobre, optou por antecipar o problema e não entregou nenhum animal para adopção assim que o país fechou.

“Apercebemo-nos que, como as pessoas estavam em casa, ter um animal por perto fazia-lhes bem para ultrapassar o confinamento. O problema é que o regresso à normalidade iria fazer com que o animal acabasse por ficar sozinho e desatasse a roer, a fazer asneiras, a fazer barulho e acabaria por ser devolvido”, disse à Lusa a directora.

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