Como vai ser o “futuro verde” da Europa?

O Pacto Ecológico Europeu propõe mudanças em vários sectores que terão impacto no nosso dia-a-dia. Perguntamos a eurodeputados como imaginam a “Europa verde” daqui a dez anos - e as dificuldades que já se fazem sentir para lá chegarmos. Algumas previsões poderão parecer utópicas, mas todas se baseiam em planos concretos que a UE tem em marcha.

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Adriano Miranda

Quando acordarmos em Maio de 2031, depois do primeiro grande prazo da União Europeia para atingir os seus objectivos climáticos, o que é que vai estar diferente à nossa volta em resultado do Pacto Ecológico proposto pela Comissão Europeia em 2019?

Se tudo correr bem, estará a acordar numa casa nem demasiado fria, nem demasiado quente. Os novos edifícios, sejam de habitação ou outros, já têm que cumprir estes padrões de eficiência energética e bom isolamento, mas também os mais antigos terão recursos para serem melhorados. Marisa Matias, eurodeputada do BE presente na comissão da Indústria, da Investigação e da Energia, recorda que uma fatia dos fundos previstos para os planos de recuperação e resiliência terá que ser dedicada à recuperação de edifícios para a eficiência energética. Além de melhores construções, espera-se também “energias mais sustentáveis no aquecimento e arrefecimento”, lança Sandra Pereira, do PCP, vice-presidente da comissão do Emprego e dos Assuntos Sociais do Parlamento Europeu. “Temos que consumir menos electricidade”, diz Francisco Guerreiro, eurodeputado independente do grupo Os Verdes, que espera que se alcance em breve um “processo mais descentralizado” de produção de energia renovável.

De volta a 2031: na mesa do pequeno-almoço, provavelmente terá mais alimentos biológicos, livres de produtos tóxicos. No supermercado, poderá tê-los encontrado numa secção de alimentos “feios” - mas seguros, que continuam à venda para reduzir o desperdício alimentar -, que comprou sem preocupações. “O nosso modo de vida actual não é sustentável”, sublinha Sara Cerdas, eurodeputada do PS e membro da comissão do Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança Alimentar. “A pandemia veio trazer isto à tona. Não podemos continuar com este modo de vida baseado no consumismo”, diz a socialista, recordando que não é possível um crescimento ilimitado quando os nossos recursos são limitados - é preciso apostar numa economia circular, que melhore o aproveitamento dos nossos recursos.

Mas como chegaremos lá? Um dos pacotes emblemáticos do Pacto Ecológico Europeu é a estratégia “do Prato ao Prato”, que prevê uma enorme transformação na forma como “produzimos, distribuímos e consumimos comida”, descreve Francisco Guerreiro, membro da comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural. Álvaro Amaro, eurodeputado do PSD presente nessa mesma comissão, deixa dois alertas do que pode não correr tão bem no caminho de estratégias como esta: é importante que “os seus actores estejam com elas”, nomeadamente os agricultores, e é preciso também que tenham bons instrumentos para serem postas a funcionar. Marisa Matias, contudo, é mais firme a focar nas mudanças necessárias: “Todos estes sectores têm formas de se adaptar. A questão é a vontade política.”

Mobilidade

Quando sair de casa, respire fundo. Até 2030, a previsão é que milhões de árvores sejam plantadas em áreas florestais, mas também em contexto de requalificação urbana, aumentando a qualidade de vida das populações e ajudando a combater a poluição. Espera-se “cidades mais inteligentes, voltadas para a saúde e bem-estar das pessoas”, descreve a socialista Sara Cerdas, que foi uma das negociadoras do programa europeu de saúde para 2021-2027.

Isto também se vai reflectir na área da mobilidade. Algumas pistas já começam a despontar nas últimas décadas, como as ciclovias e zonas pedonais que irradiam por várias cidades. Além de se facilitarem os modos de mobilidade suave - a mobilidade não-motorizada -, espera-se que mais cidades tenham “uma rede de transportes públicos a sério”, lança Marisa Matias. Também Sandra Pereira, do PCP, acredita que medidas como a introdução do passe social único em cidades como Porto e Lisboa são um bom ponto de referência, contribuindo para a redução do transporte particular, “além de, socialmente, ser uma medida justa”. 

A redução dos combustíveis fósseis, contudo, deverá ser mais lenta do que se esperava, seja devido à demora da UE em acabar com os subsídios para combustíveis fósseis - “grande parte da energia na Europa ainda vem de combustíveis fósseis”, recorda Francisco Guerreiro -, seja pelo atraso na investigação e desenvolvimento de combustíveis mais amigos do ambiente, como o “hidrogénio verde”. “Espero que em 2030 não haja carros a diesel a circular”, avança Sara Cerdas. Quem quiser continuar a usar carro poderá mudar para um híbrido ou um eléctrico. E se acabei de comprar um carro a diesel? Serão precisos (e disponibilizados, como já acontece) “subsídios para auxiliar a transição” - e os recursos para estes encargos com a transição verde poderão vir de um mecanismo de ajustamento de carbono nas fronteiras e de uma nova taxa sobre o digital, previstos pela Comissão Europeia, que podem significar receitas na ordem dos 13 a 15 mil milhões de euros anuais no Orçamento da UE.

A aviação é outro enorme desafio. Aguarda-se também aqui por “combustíveis mais limpos”, que permitam reduzir a pegada ecológica dos voos. Para Marisa Matias, do BE, é urgente acabar de vez com as quotas de voo que levaram a que, no pico das medidas de combate à pandemia, houvesse “aviões a voar vazios para poderem continuar a actividade”. Há ainda a questão do transporte de mercadorias, onde a eurodeputada acredita que é possível fazer muito mais para “retirar do ar o que se pode levar por terra”. Existem ainda outras vias de mudança: Sara Cerdas, do PS, dá o exemplo de França, que em Abril decidiu banir voos internos que possam ser substituídos por viagens directas de comboio com uma duração até 2h30 (com excepção de voos de ligação). 

Todos os caminhos vão dar à mesma urgência: mais investimento na ferrovia.

Transição justa

Se trabalha num sector altamente poluente, é possível que em 2031 o seu emprego tenha mudado radicalmente. Talvez se mantenha na mesma empresa, mas a sua actividade terá mudado para áreas mais sustentáveis, como as energias renováveis. Como se viu nos casos da refinaria de Matosinhos ou a central de Sines, estes processos ainda não estão plenamente esclarecidos e a requalificação dos trabalhadores não tem sido imediata, mas a intenção é que ninguém seja deixado para trás.

Sandra Pereira, do PCP, espera que o Fundo para a Transição Justa não seja usado como mera “compensação para o encerramento de unidades fabris”, mas antes para investimento na modernização do sector e da capacidade produtiva. Isto, claro, sem que a transição se faça à custa dos trabalhadores.

E estas medidas, sublinha a deputada beirã, devem estar alinhadas a uma eficaz política de coesão, que promova uma “ocupação equilibrada do território”. “Isto tem que estar bem alinhado com as especificidades de cada região”, sublinha também a socialista Sara Cerdas, natural da Madeira. “Realidades diferentes não podem ter os mesmos instrumentos”, remata o social-democrata Álvaro Amaro, antigo autarca da Guarda.

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